quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
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sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
domingo, 26 de novembro de 2017
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domingo, 19 de novembro de 2017
Não interpretamos nada. Esse tal de interpretar que fique com o povo da televisão, com os atores de estúdios, com os diretores que dirigem sussurros, gemidos, piscadelas para que a câmera possa registrar esse conjunto sem sal de espasmos dramáticos. Ator - e ator só é ator porque é ator no teatro - faz outra coisa completamente diferente.
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quinta-feira, 16 de novembro de 2017
Duas possíveis razões para justificar o gosto saboroso que tenho ao fazer o que faço: 1 - é coisa que pertence ao instante / 2 - não carrego comigo os bônus e os ônus do sucesso ou do fracasso.... Aliás, pensando bem, as duas etapas acima são complementares, talvez um único e mesmo movimento: o que é efêmero não deixa traços ou vestígios. Digo e repito, não é modéstia fingida de quem falsamente rejeita os possíveis confetes ou advoga um lugar especial dentro de um mundo onde todos desejam a eternidade, os aplausos eternos, os autógrafos e assédios infinitos que façam cumprimentar o esforço realizado e aprovar o talento exibido. É, ao contrário, uma vaidade espetacular o que me move. Perseguir o esquecimento é um negócio de liberdade profunda, de prazeres indiscretos e indescritíveis. Quem diabos opta pelas amarras de uma reputação, de uma imagem, de um som de voz gravado direto na lapela? Tudo isso conspirando - o que é ainda mais irônico - para a formatação de uma persona quase sempre irreal, montada nas expectativas da aceitação e recusa alheias? Eu não... Quero sempre a violência da liberdade profunda, os riscos do precipício: melhor se atirar lá de cima por livre e espontânea vontade do que ser empurrado.
Gosto do teatro por uma vocação ética e política, mas também por uma memória infantil de quando eu não tinha outras responsabilidades senão entregar-me ao sabor de viver. É exatamente isso: teatro é um jeito bastante concreto de evitar tornar-se um sujeito canastra e manipulável pela simples razão de que no teatro o que é essencial é o acesso aos desejos mais primitivos, lúdicos, infantis, nada determinados pelo mercado, mídia, pela mais nova maquiagem lançada na vitrine, pelas taras reprimidas de séquitos histéricos e maluquices afins...
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domingo, 12 de novembro de 2017
Ser ator é o exercício mais absolutamente político que pode existir... Tomar para si discursos que não são seus, inventar posturas que jamais seriam espontaneamente experimentadas pelo seu corpo, e tudo isso com prazo de validade curtíssimo, condenado que somos a voltar a uma normalidade desetemperada dos exageros propositalmente forçados. Mas a beleza da coisa está justamente aí: o lado político do ofício do ator está para além da consciência de que se é um fingidor no ato mesmo do fingir. As consequências são posteriores. Já não se pode mais considerar a normalidade como algo normal ou natural. A personagem funciona como esse espelho invertido que faz amplificar aquilo que antes soava como atributo pessoal e íntimo, escondido do foco de atenção alheio. Curiosamente, o ator, em alguma medida, desenvolve uma inevitável esquizofrenia que poderia ser resumida assim: quanto maior for o seu tempo sendo outros, mais chances haverá dele reconhecer que a única personagem possível e viável é aquela que atravessa a rua despreocupadamente, sem intenção alguma de angariar palmas ou ter medo das vaias. O esquisito da ficção passa a ser o natural. A vida recebe o título de enredo dramático. Ao ator, enfim, cabe essa dialética, que é um caminho pavimentado para a manutenção de um certo ceticismo privilegiado: se o mundo é um grande palco, melhor divertir-se com seus absurdos, rir das suas comédias, chorar como choramos ao assistir a um filme dramático debulhado em lágrimas. Consertar o que quer que seja já não é mais uma opção, tão patético quanto advertir Hamlet de que há veneno na ponta da espada.
Nada mais político do que ser ator.
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quinta-feira, 9 de novembro de 2017
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domingo, 5 de novembro de 2017
Está rolando um stand-up comedy no mesmo palco de um suposto teatro dentro de um shopping, o mesmo palco em que daqui a instantes entraremos em cena para fazer o nosso Nelson Rodrigues... Parece que o astro é um YouTuber, desses que ganham a vida influenciando os hábitos de um público que nunca deve ter avançado do capítulo dois de um livro sem figurinhas estampadas. A plateia ri histérica feito um bando de hienas esquizofrênicas - impossível não lembrar do próprio Nelsão dizendo que teatro feito para rir é coisa tão abjeta quanto uma missa cômica com o padre a fazer malabarismos com laranjas. O sujeito que empunha o microfone dá tudo de si nesse evento de emendar uma piada pronta noutro palavrão que suscita os hormônios daqueles que curiosamente cumpriram a 5a série do primeiro grau a despeito da barba que desponta do queixo e dos pelos que avolumam no sovaco. Será uma experiência no mínimo antropológica subir ao palco logo em seguida a esse ritual de macumba do fast-food contemporâneo. Não peço a proteção de Dionísio porque se Dionísio aqui houver ele deve estar mastigando uma pipoca no Cinemark assistindo ao filme do Danilo Gentilli, última super produção do cinema nacional.
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Gosto de todo tipo de formalidades. Antes ser alguém adepto de protocolos do que de intimidades declaradas. Me revelo no esconderijo das mesuras, dos gestos ensaiados, da etiqueta fingida. Tenho pavor e dificuldades extremas em tudo aquilo que envolve essa qualidade do ser-espontâneo. Sou ator por isso: é mais fácil mentir sobre quem eu sou do que imaginar ser eu mesmo sendo quem sou. A minha liberdade é poder mentir sem sentir remorsos.
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segunda-feira, 23 de outubro de 2017
Qual é o mínimo que cabe a mim contribuir? É disso que deveríamos tratar: do minúsculo. É dessa ética, ou da falta dela, que padecemos. Porque dar ao mundo a excelência dos nossos esforços naquilo que é visível é tarefa fácil, cumprimos ela sem grandes dificuldades. Um grande ator se nota no silêncio, na sombra. Os holofotes são geralmente disputados a tapa por aqueles que não têm talento algum para sustentar um foco de luz. Estar na evidência não garante uma boa cena. Estar exposto não é sinônimo de angariar atenção. Um dos ensinamentos mais importantes do teatro é a compreensão de que é preferível nada fazer do que plantar mil bananeiras no centro do palco. É dificílimo entrar em cena e estar diante de algo sem querer emitir opiniões, sem desejar arrastar os olhares da plateia. Mas é isso mesmo: só consegue botar uma plateia abaixo quem antes é experimentado nessa importante arte que é a de frequentar a periferia dos acontecimentos.
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quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Faço dois personagens atualmente no teatro. E por isso tenho que me desdobrar em quatro: os dois personagens que tenho de fazer, e mais outros dois de mim que me vigiam ao fazer cada personagem que faço. Na verdade, são cinco: os dois personagens, os dois de mim que vigiam cada personagem que faço no instante em que estou lá a fazê-los, e um outro distanciado desses todos que gerencia essa equação para que tudo ocorra sem grandes percalços. Ou melhor, devo admitir, são seis. O último deles um outro de mim que assiste a tudo o que faço e fazem por mim sem precisar entrar em crise ao calcular se o resultado do meu esforço é bom ou não. Para terminar logo com isso, são sete os de mim que existem ao mesmo tempo para que haja teatro naquilo que me proponho a fazer. O sétimo eu deixo no camarim, dormindo, a espera de que tudo acabe. Esse sétimo odeia ter de esperar que tudo acabe. A depender dele eu nem teria ido ao teatro para fazer teatro. Mas amo de paixão o sétimo, porque sempre valorizo as contra-vontades e aqueles que carregam uma certa síndrome de Bartelby: MELHOR NÃO SUBIR AO PALCO. O oitavo de mim só existe para contrariar esse que nasceu para me advertir das enrascadas que é ser ator. É por esse oitavo que eu confiro a razão de eu não desistir nunca, ou melhor, de não desistir naquele instante, porque depois que tudo acaba eu desisto, e o sétimo - o cético-sábio e emburrado - volta a imperar. Guardo ainda dois de mim na reserva: o nono e o décimo. O nono me ama, quer que eu seja o melhor ator do universo - e sabe perfeitamente que eu sou o melhor ator da face da Terra -, vive a bajular-me e soltar confetes no meu cocuruto já quase careca. O décimo me consola, diz que eu nasci no tempo errado, me oferece uns tragos para acalmar os ânimos feridos e evitar que eu me atire da ponte em razão da certeza de que tenho de que sou um completo fracasso, um erro das ribaltas, um zé ninguém que veio ao mundo para fazer o pior tipo de figuração possível...
Enfim, carrego dez de mim...
E só consigo fazer teatro assim
Quando quem eu sou decide por bem estapear
Ou beijar
O pobre diabo que me faço ser
E isso todas as noites
Debaixo de aplausos
Ou desviando dos tomates.
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terça-feira, 10 de outubro de 2017
Não sei se gosto mais do que faço ou de pensar no que tomei por decisão fazer. E uma coisa não alivia a outra, ao contrário. Quanto mais penso nessa atitude maravilhosamente maluca que é fingir quem eu não sou, mais decididamente complicado se torna o ato deliberado de fingir. É uma dúvida hamletiana na acepção do termo. Porque se finjo quem eu não sou eu dou-me por certo de que eu sei quem eu sou para poder deixar de sê-lo e virar um outro que não eu. Mas também desconfio de que isso seja possível e, então, chego a conclusão de que eu finjo sempre e, portanto, representar não passa de um estado natural e potencializado desse eu genuíno que eu já sou e sempre fui. Mas aí complica ainda mais porque não há ideia mais triste do que ser quem se é no exercício do ofício que escolhi fazer. E então finjo que eu finjo que eu não sou um fingidor para poder, aí sim, enganar aos outros e a mim, esses outros e eu mesmo que adoramos ser enganados. É por isso que o exercício de vestir uma máscara, o de representar um papel, é uma atitude essencialmente política, porque ela é dialética quer se queira quer não. A cada esforço criativo um abismo de dúvidas e espaços incompletos se abre diante de nós. E é por isso que ser ator é um encargo de extrema angústia, porque olhar-se no espelho e nunca ter a imagem precisa de quem se é é, no mínimo, desesperador. Mas também fascinante. Conviver nesse intervalo de vazios é ganhar o direito de não pertencer a nada nem a ninguém. É poder rir e chorar do mundo com uma intensidade ainda maior do que seria rir e chorar fazendo parte desse mundo. É ser um Brás Cubas, um defunto-autor, e também um autor-defunto.
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segunda-feira, 9 de outubro de 2017
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
O verbo não faz sentir, mas o verbo, em si, sente. Isso porque o verbo é formalmente algo real e anterior a quem o apreende. Por isso que Shakespeare não comporta psicologia nenhuma. Porque não é o ator quem sente a personagem, assim como se fosse possível sentir alguma coisa que já é o que é antes de ser sentida. Em verdade o termo 'ser sentido' já é absurdo. É sentimento puro antes da ideia de tentar senti-lo. O verbo é o que é. E o ator é esse canal de abertura para alguma coisa que existe por si só. Seu papel é somente esse: deixar ver o que já sempre existiu com propriedades próprias, nunca íntimas ou pessoais. O ator não vive a personagem, ao contrário. Faz viver o que já é vivo desde o princípio em que se fez real.
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segunda-feira, 25 de setembro de 2017
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segunda-feira, 18 de setembro de 2017
Aprendam: a pergunta mais idiota que se pode fazer a um artista é o que ele quer dizer com a sua obra. Se ele quisesse dizer alguma coisa ele diria, não fazia a obra. A pergunta mais idiota que se pode fazer a um ator é quem é a personagem que ele representa. Se ele soubesse quem é a personagem que representa possivelmente a convidaria para lamber um picolé na esquina, e não faria uma peça de teatro com a bendita personagem que lhe cabe. A pergunta mais imbecil que se pode fazer a um dramaturgo é o que a história dele contribui para a situação atual em que vivemos... Se ele quisesse contribuir com alguma coisa para a situação atual em que vivemos ele não escreveria história nenhuma e se candidataria a vereador, chefe de ONG, benemérito do Criança Esperança, apóstolo de ovelhas em alguma franquia do Templo do Salomão e etc
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Não é necessário postar foto do universo ao lado do tamanho da Terra para fazer alusão a nossa reles insignificância. Faça teatro. A sensação é a mesmíssima. O minúsculo do tablado onde se pisa é, talvez, ainda mais pedagógico. E justamente porque os pés estão bem fincados no chão. Prefiro a filosofia das coisas concretas àquelas outras que me escapam pelos dedos e fogem da minha escala visual. Sou desses que preferem abrir uma caixinha de música e olhar a dançarina inanimada que balia ao som da melodia. E depois fechar a caixinha. E ver a dançarina sumir junto com a música quando a caixinha é fechada. Saber que a dançarina só baila quando eu resolvo abrir aquela caixinha me dá uma sensação de poder e melancolia. De fracasso e sucesso. Tudo ao mesmo tempo. Depois disso, se você ainda se sentir o protagonista de qualquer coisa, aposente-se de tudo e volte ao ensino fundamental..., você não entendeu nada de nada, e há tempos que não entende nada de nada.
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quinta-feira, 7 de setembro de 2017
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segunda-feira, 4 de setembro de 2017
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quinta-feira, 31 de agosto de 2017
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segunda-feira, 28 de agosto de 2017
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
Personagem não 'se constrói', personagem já existe construída. O esforço é não destruí-la achando que é tarefa sua dar existência ao que já nasceu existindo. Repare que todas as vezes em que o ator diz haver 'construído' a personagem quem aparece é o ator, nunca a personagem 'construída'. A personagem aparece em primeiro plano quando o ator não perde tempo em se referir a ela, quando o ator sabe que é inútil acreditar que há uma personagem construída fruto de seu esforço íntimo e particular. Mas isso diz respeito às boas personagens e aos bons atores, evidentemente. Há um contingente gigantesco de péssimas personagens e péssimos atores que firmam exatamente essa parceria desastrosa: por um lado a personagem exige do ator o seu direito de existência como se fosse um protótipo de criança mimada, por outro, o ator crê piamente que é tarefa sua tomar para si as dores dessa mesma personagem carente de vida.
Adoraria ser uma mosca para testemunhar o que Hamlet faria com um desses atores tarimbados na geração da lágrima dramática, os mesmos atores que acreditam que representar é viver ou dar direito de vida à personagem.
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segunda-feira, 21 de agosto de 2017
Ontem, no teatro, nada emplacava. Estávamos todos sem talento, plateia e elenco. Mas persistirmos até o final, a plateia na sua função de ser plateia, e nós, atores, na função de sermos atores diante da plateia. E isso já é um talento e tanto. Plateia e atores insistindo em persistir, e até o final. E, ufa!, chegamos até o final! Essa é uma das maravilhas do teatro. Haja o que houver, é imperativo que se chegue ao final. Quem experimenta essa sensação experimenta também a certeza de que há algo necessariamente maior do que essa instância de angústia íntima, particular, que nesses dias de miséria egocêntrica faz interromper o giro do mundo com um grito afetado que diz PAREM JÁ O BENDITO BONDE QUE EU QUERO DESCER!
Retificando! Ontem estivemos maravilhosos, nós, atores, e eles, a plateia!
Viva o teatro!
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quinta-feira, 17 de agosto de 2017
Sentar-se num banquinho de madeira no centro de um palco vazio é coisa dificílima de se fazer... Um ator que faz isso sem exigir qualquer direito de existência faz qualquer coisa, qualquer personagem, vai da tragédia grega aos dramas contemporâneos, mastiga bifes intermináveis e povoa silêncios de precisão milimétrica. Porque a razão da coisa está justamente no banquinho e no palco vazio. É deles de que se trata, nunca do ator. Se o ator senta-se no banquinho num palco vazio é porque o palco vazio e o banquinho disseram à ele: sente-se. Só isso. E já é dificílimo de se cumprir. Agora, a pergunta pertinente é quando é que o palco vazio e o banquinho no centro do palco vazio convidam o ator a se sentar? Um sentar num banquinho sem ser convidado para tal configura que tipo de qualidade se presença? Me parece que o método mais justo de interpretação dramática para os tempos que seguem - tempos de vaidade, de auto-promoção, de maquiagem corretiva nos olhos - é esse mesmo: o do banquinho de madeira no centro de um palco vazio. Quem sobreviver a isso sobreviverá ao que vier a seguir.
Viva o teatro!
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domingo, 13 de agosto de 2017
Todo mundo deveria fazer teatro. Mas não para fazer teatro como fazemos nós, esses que insistem em reivindicar uma importância ao despropositado ofício de fingir quem não se é e fazer disso uma teimosia quase diária e ininterrupta - nem todos precisam carregar o fardo de tamanha loucura! -, mas tão somente para se ter uma mínima sensação e consciência elevada do que é convergir um esforço descomunal para algo que sabemos efêmero, passageiro, instante rapidamente engolido pelo tempo. Essa qualidade de existir para uma coisa que não dura, para um mínimo de minutos e segundos que escoam inexoravelmente através dos dedos, é de uma pedagogia fundamental para entender qualquer espécie de atividade fora do teatro. Porque dedicar tamanha atenção a algo que termina é também questionar-se a razão de existirmos, uma vez que para qualquer coisa que fazemos inevitavelmente é regra gastar energia com o que não podemos dominar. O ínfimo minúsculo do teatro, o foco fechado e difuso do refletor que ilumina um microcosmo nada importante, é também o exercício de celebrar o mistério de persistirmos nesse eterno esforço que é reconhecermo-nos falhos e incapazes e ainda assim seguir adiante com a próxima cena. Hoje, durante o espetáculo, vendo tantos bons atores ao meu redor, todos suando em bicas para uma coisa que dali a instantes deixaria de existir, testemunhando esse ridículo bailado coreografado mas que ganha uma dose gigantesca de dignidade diante dos olhares alheios, penso que o teatro cumpria com a sua maior função, que é exatamente a experiência concreta da enorme interrogação que nos move adiante sem que haja desejos de olhar para trás. É esse mistério que faz o abrir e cerrar das cortinas, e que nada mais é do que uma celebração coletiva dos nossos risos infinitos misturados às lágrimas que tampouco conseguimos deixar de verter. Já dizia o poeta que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode sonhar a nossa vã filosofia. O teatro é só o canal disso tudo, sem querer nada ensinar ou explicar.
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quinta-feira, 10 de agosto de 2017
Repare que os nossos grandes atores tiveram uma escola essencial e que hoje nos falta: o rádio. Ator tem que saber falar. A assertiva é um tanto óbvia, mas não tão óbvia assim. Nossa geração é uma geração de gente que não sabe falar porque acostumou-se a se ver através da imagem, e dela fez o seu cavalo de batalha. O rádio exercia, pela própria indumentária de seu funcionamento, o que a máscara era nos tempos em que reinava como ferramenta poética: a função de esconder o ator. O que ultrapassa esse véu concreto e físico é a voz - até mesmo o corpo é consequência da emissão do verbo (creio profundamente nisso e discordo daqueles que pensam que corpo e voz andam juntos. A voz vai na frente! No princípio era o verbo e o verbo era Deus!) A nossa tragédia dos dias que seguem é só essa: sabemos como ninguém as regras de como pentear nosso topete, e, em contrapartida, somos frouxos, flácidos, sem energia alguma para emitir uma única frase com os desenhos sonoros que ela, em sua própria estrutura, nos convoca.
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domingo, 6 de agosto de 2017
Primeiro o teatro, depois o ator. Primeiro o aquário, depois o peixe. O ator não é o protagonista do teatro, assim como de nada adianta um peixe sem aquário... E se o peixe estiver no mar, tanto faz, ele não será notado, é como se não existisse para nós. O assunto do teatro é o homem, mas o homem concentrado, redimensionado, portanto, não é o homem da rua o que interessa ao teatro, é um homem ideal, forjado, inventado, exatamente como o peixe do aquário, que só é possível existir se houver um aquário. De nada adianta um método que jogue luz no ator para que ele seja verdadeiro no palco. O aquário é nitidamente um mar falsificado, e é justamente pela sua falsidade que o peixe dá conta de sobreviver. Se a água do mar fosse despejada num recipiente de vidro e o peixe jogado dentro, o peixe morreria. Há todo um sistema artificial de simulação da qualidade da água do mar. Por isso o peixe sobrevive, um peixe que não pode ser um peixe do mar.
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segunda-feira, 24 de julho de 2017
A pior sentença que um ator pode receber vem da imagem impressa na tela. Porque a imagem é redutora. E reduz porque atribui uma identidade ao ator. Ou melhor, reduz a personagem ao ator. E o que sobra dessa equação também já não é mais o ator ele próprio, é outra coisa, talvez uma máscara sempre congelada naquela expressão de graça típica dos atores que frequentam a imagem. E essa máscara impressa pela imagem cobra do ator uma certa responsabilidade pela manutenção de um sorriso, de um estado artificial de entusiasmo. Essa é a diferença do teatro para a imagem. No teatro não há qualquer chance do ator ser o centro das atenções. E ainda que o seja, ele só o é porque sabe que está respondendo a uma instância infinitamente maior que ele que o impede de celebrar a si próprio. E quando tudo acaba, o ator também sai acabado, pagando um preço alto pelo esforço a que se permitiu debaixo do refletor. O entusiasmo é coisa que acaba junto com a cortina que se fecha. E é preciso que seja assim porque não há outra maneira de ser de outra forma. E é só por isso que fazer teatro vale a pena, porque já não há qualquer defesa de uma falsa identidade possível depois de ser atropelado por essa espécie de exposição pública. O ator de teatro não precisa dar-se ao trabalho de fazer a manutenção de uma máscara pública, e talvez por isso mesmo que ele seja perigoso, porque se a mentira é seu ofício e não um charme particular, fora dela já não há mais a necessidade de congelar o rosto em expressões artificiais.... e o que sobra é a verdade. Quer perigo maior do que dizer a verdade num mundo casa vez mais adepto dos piores disfarces?
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Falta de imaginação = ausência de mistério. Quando qualquer arte age para localizar, quem fica mais pobre é a própria arte. Quem faz reportagem é jornalista, quem faz política é político, quem se cura faz terapia, quem faz benfeitorias é agente social. Arte produz poeira cósmica, pó de pirlim-pim-pim, coisas impalpáveis e de difícil apreensão, de quase nenhuma utilidade prática. E se tudo isso soar prepotente, é porque toda arte que se valha da sua real função é prepotente mesmo, e no último grau.
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quarta-feira, 12 de julho de 2017
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segunda-feira, 10 de julho de 2017
domingo, 9 de julho de 2017
Arte é uma celebração à impossibilidade de apreender a vida. E é dessa falha que surge a potência da expressão. A arte existe porque a vida basta. Não fazemos arte para compreender ou emendar a vida. Fazemos arte porque é preciso fazer arte, e também porque é impossível compreender ou emendar a vida. Arte não serve para. Arte é o fruto de esgotamentos voluntários ou inconscientes. E é só por isso que a arte pode se comunicar com a vida, porque arte nenhuma deve responsabilidades à vida.
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sábado, 8 de julho de 2017
Ator não se transforma na personagem. Ator apresenta a personagem. Nessa equação, o papel de transformação cabe à plateia. Que é a razão pela qual se faz teatro: oferecer ao outro a possibilidade de haver alguma transformação. Dizer que o ator se transforma na personagem é o mesmo que armar uma festa, distribuir os convites, botar a música na caixa de som... e mandar todo mundo embora na hora de fatiar o bolo.
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sexta-feira, 7 de julho de 2017
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segunda-feira, 3 de julho de 2017
Acho que o protagonista do teatro é o acontecimento, não o ator. É possível um ator maravilhoso naufragar num acontecimento nenhum. Como também é possível um ator sem tantos recursos brilhar na carona de um acontecimento maravilhoso. Agora, quem gera o tal do acontecimento ou a falta dele? Acho que também é o ator, mas em parceria (ou recusa) com o que está ao seu redor. O acontecimento iluminado é aquele que acontece, ou pode acontecer, quando o ator desiste dessa coisa de defender a sua personagem e sobe ao palco acompanhado do precipício que é a própria exposição (um acontecimento iluminado é sempre um estado que inevitavelmente mergulha o ator num estado de desespero). O acontecimento nenhum é esse que propõe um nada de acontecimento quando o ator acredita que ele é o teatro, que a sua personagem é o que interessa, e que não há outra coisa a se prestar atenção senão ao seu sentimento extravasado a olhos vistos (o acontecimento nenhum, por sua vez, é coisa para lá de reconfortante para o ator, e também para o público..., sensação próxima a do sono).
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sábado, 1 de julho de 2017
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terça-feira, 27 de junho de 2017
'Insisto, Irving era natural e, ao mesmo tempo também altamente artificial (...) Irving era artificial como uma orquídea, como um cacto, exótico e majestoso, ameaçador e de composição tão curiosa que quase poderíamos definí-lo como arquitetural, e atraente como são todas as coisas bem definidas' (GORDON CRAIG)...'
Extrato do excelente livro GORDON CRAIG, A pedagogia do Uber-marionette, de Almir Ribeiro. Editora Giostri
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segunda-feira, 26 de junho de 2017
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quinta-feira, 22 de junho de 2017
Adoro cortina antes de começar a peça. E quando termina a peça também. Adoro palco italiano. Teatro é encantador pelo que ele propositalmente esconde. Mais encantador ainda do que aquilo que é revelado. É como um livro. Livros realistas demais que descrevem todo o cenário para que o leitor possa ver tudo o que o autor quer que ele veja são livros tediosos, insuportáveis. Livro bom é aquele que imprime palavras só para esconder um tanto enorme de outras palavras, não escritas, mas lidas pela imaginação e curiosidade do leitor. Kafka é um milhão de vezes melhor que Eça de Queirós, por exemplo. Teatro é uma maravilha porque o ator some dos olhos do espectador, ou aparece sem explicar por onde é que andou tão sumido. Não consigo compreender quem retira esse elemento essencial do teatro para torná-lo todo iluminado e visível, sem bastidores escuros. Mesmo quando a peça acaba e o público já está no hall do teatro preparando-se para ir embora, acho um crime inafiançável o ator que aparece em seu traje à paisana entre os espectadores. Ou aquele espectador que espera o ator sair só para tirar a prova de que era ele mesmo quem estava debaixo dos refletores há pouco. Deveria haver um pacto de cordialidade entre público e ator: um pacto de distância, de pelo menos um respeito ao mistério que ainda se prolonga daquilo que acabou de ser testemunhado por todos. Teatro é mais próximo da magia que da tese acadêmica, para esse último departamento existem os chatos. Para o primeiro, os loucos.
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segunda-feira, 19 de junho de 2017
Tem coisa melhor que erguer castelos de cartas que desmoronam ao menor sopro ou lufada de vento? Teatro é justamente isso. Só que ao invés de cartas de baralho, gente de carne e osso. Um empurrãozinho e cai tudo, sem dó nem piedade. E se for para remontar, só vale a pena se for pela memória do fracasso do equilíbrio anterior que levou tudo abaixo. E é essa memória que qualifica a coisa toda. Não se recompõe uma peça de teatro pela meta do equilíbrio, do sucesso alcançado, mas pela certeza do seu iminente desmoronamento, ou da lembrança das cartas ao chão. O artista do palco é um exímio experimentador do fracasso. E é por isso que o teatro é pedagógico, porque ele não poupa ninguém, nenhum trono se mantém intacto, nenhum império se consolida, nenhuma dinastia lega herdeiros. E a pedagogia não é só poética, é ética também para além da cena. Já imaginou o quão melhores seríamos se carregássemos a consciência de nossa pequenez para cada gesto público e diário?