segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

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É preciso uma certa dose de perversão vaidosa para falar de si mesmo, mas ainda assim tomo-me como protagonista do que escrevo. Além do que, falo de mim para mim, e se isso por si só já não basta, ao menos cumpre a tarefa de matar o tempo ocioso. Quem quiser que escute por detrás da porta, sabendo que a curiosidade é por vezes atributo de caráter ainda pior do que esse colocar-se diante do espelho a que frequentemente me predisponho. Penso cá comigo o que levou-me o interesse a enveredar para os palcos... É certo que há bastante dose de adrenalina em oferecer-se aos olhares alheios - assim como também saltar de paraquedas, imagino eu, acarreta o mesmo senti-se com os pelos eriçados. E se a comparação é justa, é também justo que o teatro experimenta um medo terrificante da morte. Há qualquer coisa de terrível em pisar em cena porque já deve haver nesse ato a consciência de uma queda iminente e inevitável. O ator esforça-se para ser um outro alguém já na posse de um estado de conhecimento que o habilita a reconhecer essa impossibilidade. A personagem é sempre infinitamente maior do que o tamanho do ator, e sua busca por encontrá-la é algo recheado de exasperação, de suores absurdos. O alívio está nas cortinas que encerram o espetáculo assim como a lona do paraquedas salva o paraquedista de um fim certeiro. E por alguma razão misteriosa, à essa sensação de impotência controlada conferimos exercício quase diário, sorvendo doses contínuas e simuladas de desespero. Talvez por esse motivo específico o teatro interessa-me tanto, porque dentro do seu domínio é possível desmontar a segurança de uma vida armada para trilhar um caminho sem grandes acidentes, um lugar onde despedaçar-se é uma atitude sem dúvida nenhuma aflitiva, mas necessária. Desconfio bastante, portanto, de quem diz que debaixo dos refletores é possível sentir-se pleno e feliz, quase como se coubesse ao teatro essa responsabilidade de condução tranquila e recompensadora. Não consigo muito bem avaliar esse sentido de recompensa que o teatro hipotéticamente pode oferecer, sei apenas que o assombro que ele irradia faz-me voltar para novas tentativas. Há sempre muito mistério nessa sensação. Talvez seja o mistério, acima de tudo, a chave da questão.

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terça-feira, 9 de dezembro de 2014

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Audrey - Não compreendo o que seja poética. É alguma coisa conveniente em palavra e obra? Será qualquer coisa verdadeira?


Touchstone - Certamente que não, pois a mais verdadeira das poesias é a mais abundante em ficção. Os amorosos são dados à poesia e os que juram em poesia pode dizer-se que são fingidos como apaixonados


Como Gostais / Shakespeare


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

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Nesse mundo nada dramático, ou excessivamente dramático - o que dá na mesma - o drama, enfim, essa coisa encenada como matéria de expressão pública, pouco ou nada tem de importante. O que vale são os monólogos diários, íntimos, lacrimosos ao extremo, que nascem como tentativa de angariar plateia ao mínimo do que somos. O que vivemos hoje é um teatro de moldura decadente, de cenários compostos por tábuas vergadas, o próprio palco ruindo aos nossos pés. E o que torna tudo mais patético é a ideia de que há jeito de ser interessante nessa insistência em defender a persona, o eu, a subjetividade do mundo oco que nos habita. Nossa época é uma época miserável quando se trata de fazer da expressão um ofício. O artista hoje é quase sempre um sujeito preso entre duas armadilhas: a de virar um personagem de si mesmo, cheio de charme contagioso, e afeito ao ibope das massas, ou então a padecer em um eterno exílio contemplativo, vazio de audiência, justamente porque foge conscientemente do exercício da exposição a todo custo.

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