terça-feira, 29 de novembro de 2016

Um jogo de futebol é como uma peça de teatro. Nenhuma das duas coisas precisa acontecer para que os eixos do planeta sejam redirecionados. Afinal, qual o sentido que há em correr atrás de uma bola tentando lançá-la num quadrado protegido por uma rede? E que razão existe em subir ao palco para fingir descaradamente que se é Hamlet, o príncipe da Dinamarca? Mais urgente seria construir viadutos, tratar de doenças, estudar o clima... Arte e esporte remam em outra direção, são departamentos da inutilidade. E, por isso, mesmo, são matérias essenciais da nossa íntima constituição de seres lúdicos, afeitos a tudo o que é simbólico e imprestável à fórmula do 1 + 1 = 2. Artistas e esportistas são faces da mesmíssima moeda. A cultura é o que nos ergue nessas duas pernas que temos; é ela, a cultura, que levanta a nossa cabeça para o alto, para o infinito, para tudo o que não é tangível. Caso contrário, ainda estaríamos dentro de cavernas catando pulgas uns nos lombos dos outros.


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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Diz o Velho-Stan: "Existem pensamentos e emoções que vocês podem expressar com suas próprias palavras. A coisa toda está aí, e não nas palavras. A linha do papel flui através do subtexto, não do texto. Mas, os atores tem preguiça de escavar até as camadas profundas do subtexto, e por isso preferem deslizar pela palavra externa e formal, que pode ser pronunciada mecanicamente e sem gastar a energia necessária par atingir a essência interior"...

Eu digo aqui, no auge da minha empáfia: tudo bobagem! Trilha essa anunciada para um ensimesmamento pretensioso que nada resulta em matéria de expressão. Elegia ao abstrato, ao eu-mesmo, a reclusão do artista na sua redoma íntima de sentimentos (quem se importa com os sentimentos alheios quando a tarefa é contar uma história? Eu prefiro chupar uma cebola a ver alguém se debulhar em melancolia afetada na minha frente). O que sobra de tamanho esforço - sob o pretexto de encontrar a verdade da tal da personagem - é tudo, menos a tal da personagem. O que aparece é o ator. Só ele. E isso já é vaidade o suficiente para fechar as cortinas dois minutos depois de haver erguido o pano. A palavra é potente quando ela, a palavra, já contém o que precisa significar, não havendo qualquer necessidade de encontrar o que ela esconde. A boa palavra não esconde nada, só revela. E os mistérios que existem - porque há mistério em tudo! - é saber pronunciá-la, não senti-la. E essa tarefa é mecânica sim, exige altas doses de esforço e de sensibilidade. E é tudo mecânico e artificial por essência e princípio, porque é preciso compreender que arte é, sobretudo e antes de tudo, um conjunto maravilhoso de artificialismos encomendados, engenhocas colocadas em movimento. Se o ator é ruim e recebe por isso a qualificação de 'ser mecânico', é menos pelo fato de haver mecanicidade nas suas ações do que pela simples razão de que ele é ruim mesmo, por natureza, prática e origem.

Uma obra viva não tem nada a ver com a verdade. A verdade esbofeteia nossos rostos a cada esquina. Isso sim é que é preguiça: copiar as escalas naturais da vida e botá-las no terreno da metáfora, como se fosse preciso convencer quem quer que seja de que nós somos esse quem somos, que sentimos isso o que sentimos. Tudo ao contrário: MAIS MENTIRAS PROCLAMADAS! MAIS DISFARCES EXPLÍCITOS, MAIS BRINCADEIRA E MENOS IMERSÃO EM SABE-SE LÁ QUAL SERIEDADE DO SENTIMENTO!



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domingo, 27 de novembro de 2016

Teatro é essa combinação precária entre o imediato e o ensaiado. É um teste para ver se o que foi pensado e praticado dá certo diante da plateia. E ponto. Ás vezes dá certo, outras vezes dá errado. E é assim é que é. Ocorre que em muitos casos se advoga uma erudição exacerbada ao teatro, como se o personagem escrito pelo autor fosse quase um monumento saído de uma tese acadêmica, como se o ator fosse um cientista da alma e necessitasse chafurdar em seu interior em busca de alguma criatividade escondida entre as tripas abstratas do espírito... Não me parece que teatro seja isso. É mais simples que isso, e nem por isso é coisa fácil fazer teatro. Me parece que subir ao palco exige muito mais uma irresponsabilidade-consciente do que um trabalho antropológico de conhecimento de quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos. Teatro não é uma ciência social ou filosofia, é uma arte de fazer coisas, como também é arte de fazer coisas o ofício de fabricar bancos de madeira, costurar roupas, tocar um instrumento musical. Há que se reconhecer que há mistérios suficientes nesses ofícios em que, num primeiro olhar, tudo parece bastante raso, óbvio e transparente. Shakespeare é genial porque é popular, contava histórias para o povo que ia ao teatro ansioso por ouvir histórias. Se as histórias fossem boas, o povo prestava atenção; se as histórias fossem ruins, tomates eram arremessados. É preciso que alguém calcule a tremenda perda de senso democrático na relação entre espectador e ator com o sumiço dos tomates nas salas de espetáculo... E o ator shakespeariano, lá atrás, quando subia ao palco, o fazia com a tarefa de dizer uma série de palavras que não eram as suas palavras. E ponto. Se fosse bom, era porque era bom. Se fosse péssimo, é porque, de fato, ele era péssimo. E só. Não precisava-se fazer laboratórios prévios, imersões prufundas na gênese da personagem, ou, enfim, participar de alguma vivência em sabe-se lá qual praia distante para entender os fluxos da maré em noite de lua cheia... Não! O ator só precisava reunir um tanto de coragem para subir ao palco e dar sua cara à tapa diante daqueles que lá estavam para avaliar a sua performance. Mas aí veio o século da psicologia, o tempo do eu-comigo-mesmo, do estudo das motivações que explicam as razões de sermos quem somos. E o teatro entrou nessa onda. E o prazer da brincadeira irresponsável ficou em segundo plano. A personagem virou uma entidade a ser idolatrada, revirada de cabeça para baixo, rasgada, destruída, desmontada e colada novamente. Antes a máscara já era a personagem. A artificialidade da mascara sustentava o sentido que havia na brincadeira de representar uma personagem, e a expressão vinha em primeiro lugar. Hoje é o sentimento. E a necessidade de sentir-se a si mesmo para ser verdadeiro parece que trouxe o próprio ator à frente do seu ofício. É o ator o que importa, a sua verdade de ator, o seu despudoramento de mostrar-se ator diante da plateia. O teatro, nessas bases, quase virou um divã. Às vezes o teatro de agora é só isso mesmo: um belo de um divã insuportavelmente enfadonho e carregado de crises que em nada contribuem para uma simples comunicação direta com a plateia. Porque não há comunicação possível em um evento em que a vontade primordial, ainda que inconsciente, é exibir-se. E parece que também a nossa plateia de hoje é mais afeita a deixar-se deprimir e recostar a cabeça num divã. Sumiram os tomates das mãos dos espectadores, sumiu também o riso largo, a reação espontânea. Mas, o teatro popular parece resistir. O teatro popular com o seu grande apelo ao fato concreto de se estar em cena para entreter o público livra-se dessa enxurrada de métodos, compêndios dramáticos, laudas investigativas. No teatro popular a equação é simples: a coisa é porque é assim que tem que ser. A coisa começa porque a cortina se abriu, e tudo acaba quando apagam-se as luzes. A mentira é revelada e é parte constituinte e essencial do ato poético. É mais simples. É mais generoso. É menos pedante e pretensioso. O teatro popular nos salva da nossa tendência contemporânea ao ensimesmamento, a mimação dramática. Ainda bem! Um viva ao teatro popular!


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sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A gente que sobe sistematicamente às ribaltas para contar uma história desenvolve um certo ceticismo melancólico, nada que nos torne obtusos e rarefeitos às brisas imponderáveis da vida, assim espero. Mas algo como que semelhante a sensação de tranqüilidade frente à esquizofrenia do mundo, a velocidade dos acontecimentos do mundo, ao sorriso largo de quem imagina uma solução possível à nossa miséria, à certeza da tristeza de outros que não conseguem enxergar que o estar triste é um momento igualmente passageiro, assim como o é o sucesso de quem pensa segurar o cetro das atenções. As cortinas que abrem e fecham a despeito do nosso estado de espírito daquele preciso instante em que tudo começa - porque é imperativo que comece quando chega a hora de começar -, dá a nós, atores, uma estranha calma, calma de sermos nós somente uma parte da coisa, não a totalidade dela, de que estar vivo é menos engalfinhar-nos uns aos outros por um lugar ao sol do que achar tranquilamente um pedaço à sombra para ver o que acontece diante dos nossos olhos. É um jeito de agir pela metade, e ser atingido pela dimensão misteriosa e assustadora da plateia. Mas é esse assustar-se que dá a chance de também relaxarmos na confiança de que é assim mesmo, de que será assim mesmo queiramos ou não. Nós, atores da ribalta, carregamos um sentimento machadiano dentro do coração, um fel ácido e irônico, triste e alegre, esperançoso e resignado. Enfim, é mais fácil ser humano - porque ser humano é ser invariavelmente contraditório - quando se é ator de teatro.



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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

As boas personagens só são personagens boas porque são molduras. Cheios de si somos nós. E somos chatos pacas...


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