domingo, 26 de novembro de 2017
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domingo, 19 de novembro de 2017
Não interpretamos nada. Esse tal de interpretar que fique com o povo da televisão, com os atores de estúdios, com os diretores que dirigem sussurros, gemidos, piscadelas para que a câmera possa registrar esse conjunto sem sal de espasmos dramáticos. Ator - e ator só é ator porque é ator no teatro - faz outra coisa completamente diferente.
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quinta-feira, 16 de novembro de 2017
Duas possíveis razões para justificar o gosto saboroso que tenho ao fazer o que faço: 1 - é coisa que pertence ao instante / 2 - não carrego comigo os bônus e os ônus do sucesso ou do fracasso.... Aliás, pensando bem, as duas etapas acima são complementares, talvez um único e mesmo movimento: o que é efêmero não deixa traços ou vestígios. Digo e repito, não é modéstia fingida de quem falsamente rejeita os possíveis confetes ou advoga um lugar especial dentro de um mundo onde todos desejam a eternidade, os aplausos eternos, os autógrafos e assédios infinitos que façam cumprimentar o esforço realizado e aprovar o talento exibido. É, ao contrário, uma vaidade espetacular o que me move. Perseguir o esquecimento é um negócio de liberdade profunda, de prazeres indiscretos e indescritíveis. Quem diabos opta pelas amarras de uma reputação, de uma imagem, de um som de voz gravado direto na lapela? Tudo isso conspirando - o que é ainda mais irônico - para a formatação de uma persona quase sempre irreal, montada nas expectativas da aceitação e recusa alheias? Eu não... Quero sempre a violência da liberdade profunda, os riscos do precipício: melhor se atirar lá de cima por livre e espontânea vontade do que ser empurrado.
Gosto do teatro por uma vocação ética e política, mas também por uma memória infantil de quando eu não tinha outras responsabilidades senão entregar-me ao sabor de viver. É exatamente isso: teatro é um jeito bastante concreto de evitar tornar-se um sujeito canastra e manipulável pela simples razão de que no teatro o que é essencial é o acesso aos desejos mais primitivos, lúdicos, infantis, nada determinados pelo mercado, mídia, pela mais nova maquiagem lançada na vitrine, pelas taras reprimidas de séquitos histéricos e maluquices afins...
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domingo, 12 de novembro de 2017
Ser ator é o exercício mais absolutamente político que pode existir... Tomar para si discursos que não são seus, inventar posturas que jamais seriam espontaneamente experimentadas pelo seu corpo, e tudo isso com prazo de validade curtíssimo, condenado que somos a voltar a uma normalidade desetemperada dos exageros propositalmente forçados. Mas a beleza da coisa está justamente aí: o lado político do ofício do ator está para além da consciência de que se é um fingidor no ato mesmo do fingir. As consequências são posteriores. Já não se pode mais considerar a normalidade como algo normal ou natural. A personagem funciona como esse espelho invertido que faz amplificar aquilo que antes soava como atributo pessoal e íntimo, escondido do foco de atenção alheio. Curiosamente, o ator, em alguma medida, desenvolve uma inevitável esquizofrenia que poderia ser resumida assim: quanto maior for o seu tempo sendo outros, mais chances haverá dele reconhecer que a única personagem possível e viável é aquela que atravessa a rua despreocupadamente, sem intenção alguma de angariar palmas ou ter medo das vaias. O esquisito da ficção passa a ser o natural. A vida recebe o título de enredo dramático. Ao ator, enfim, cabe essa dialética, que é um caminho pavimentado para a manutenção de um certo ceticismo privilegiado: se o mundo é um grande palco, melhor divertir-se com seus absurdos, rir das suas comédias, chorar como choramos ao assistir a um filme dramático debulhado em lágrimas. Consertar o que quer que seja já não é mais uma opção, tão patético quanto advertir Hamlet de que há veneno na ponta da espada.
Nada mais político do que ser ator.
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quinta-feira, 9 de novembro de 2017
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domingo, 5 de novembro de 2017
Está rolando um stand-up comedy no mesmo palco de um suposto teatro dentro de um shopping, o mesmo palco em que daqui a instantes entraremos em cena para fazer o nosso Nelson Rodrigues... Parece que o astro é um YouTuber, desses que ganham a vida influenciando os hábitos de um público que nunca deve ter avançado do capítulo dois de um livro sem figurinhas estampadas. A plateia ri histérica feito um bando de hienas esquizofrênicas - impossível não lembrar do próprio Nelsão dizendo que teatro feito para rir é coisa tão abjeta quanto uma missa cômica com o padre a fazer malabarismos com laranjas. O sujeito que empunha o microfone dá tudo de si nesse evento de emendar uma piada pronta noutro palavrão que suscita os hormônios daqueles que curiosamente cumpriram a 5a série do primeiro grau a despeito da barba que desponta do queixo e dos pelos que avolumam no sovaco. Será uma experiência no mínimo antropológica subir ao palco logo em seguida a esse ritual de macumba do fast-food contemporâneo. Não peço a proteção de Dionísio porque se Dionísio aqui houver ele deve estar mastigando uma pipoca no Cinemark assistindo ao filme do Danilo Gentilli, última super produção do cinema nacional.
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Gosto de todo tipo de formalidades. Antes ser alguém adepto de protocolos do que de intimidades declaradas. Me revelo no esconderijo das mesuras, dos gestos ensaiados, da etiqueta fingida. Tenho pavor e dificuldades extremas em tudo aquilo que envolve essa qualidade do ser-espontâneo. Sou ator por isso: é mais fácil mentir sobre quem eu sou do que imaginar ser eu mesmo sendo quem sou. A minha liberdade é poder mentir sem sentir remorsos.
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