sábado, 24 de janeiro de 2015

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Insisto na dificuldade da obra. Ou a obra é difícil, intrincada, merecendo esforços para torná-la visível, ou melhor seria não dar-lhe atenção. O mesmo procede com os artistas. A dificuldade nesse caso é a consciência da dor, dos pedaços que devem ficar no meio do caminho para deixar que a obra tenha a sua jornada. Ou melhor, tal consciência não é objeto forjado, ela existe por princípio, sem interferência alguma de desejos outros. Arte é coisa muito mais próxima de uma condenação anônima, silenciosa, do que do burburinho feliz da exposição. Há infinitas razões para não se fazer arte alguma. E só se deveria fazer arte quando essa única razão que sobra fosse tão poderosa a ponto de contaminar a alma e o corpo de todos que dela tomam parte. O desperdício está em tornar tudo corriqueiro, leve, degustável. Aí temos uma epidemia nada contagiosa, no máximo um vírus autorreferente que só faz alimentar o ego

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sábado, 17 de janeiro de 2015

Homem - Deus / Ator - Personagem

Algo me diz que esta eterna pendenga entre ator-personagem tem íntima relação com uma concepção de vida para além da arte. Talvez na exata proporção do que entendemos por Deus e a sua possível verificável existência. Se considerarmos Deus como Senhor absoluto, criador de tudo, e gerador daquilo que somos, então, dar-se-á uma relação de causa e efeito onde o objeto somos nós, o sujeito, Deus. O mesmo princípio de pensamento ocorre naquele ator que se atira atrás da sua personagem como se ela existisse como fundamento palpável de sua investigação. Ao contrário, se Deus afigura-se como uma entidade absoluta de forças cujos vetores também nós atualizamos, então, em via oposta, morre a ideia de hierarquia entre criador e criatura, morrendo também a equação de causa e efeito. O sagrado é força criadora e criativa, agente e receptor das ações co-criadas em parceria com o universo. Para esse outro tipo de ator, a personagem não é matéria de análise, é, antes, um campo de experimentações presente na qualidade de existência, coisa compartilhada e verificável por todos e a qualquer instante. Para um tipo de concepção, o sacerdote e o evangelho são obrigatórios, enquanto para o outro, não há outro rito senão o próprio rito, sem qualquer hierarquia de poder.


Espinosa, em sua Ética, trata igualmente da estética, em especial recorte para aquela na qual o ator tem o seu campo de orientação.