quarta-feira, 7 de março de 2018


Nenhum bom personagem é 'complexo', como adoramos dizer. A gente diz que um personagem é 'complexo' como forma de refletir a nossa vaidade em tentar encarar o tal do personagem: 'vejam como eu sou corajoso para representar o tal do personagem! Não fosse eu bom o suficiente e nem chegaria perto de tamanha complexidade!'. Quando dizemos que um personagem é complexo nós estamos falando de nós mesmos, elogiando a nós mesmos, vendendo a nós mesmos para que o mundo nos veja e aplauda em nossa audácia de sermos corajosos o suficiente para enfrentarmos a complexidade de um personagem complexo. Nunca nada foi tão anti-personagem como essa coisa de vontade e contra-vontade que inventaram para resolver uma psicologia abstrata do personagem. Nenhum bom personagem é abstrato, tampouco psicológico, repare. Édipo Rei não tem psicologia alguma, tem é fogo nas canelas, isso sim. Freud veio na sequência e conseguiu inverter tudo. Todo bom personagem é de uma clareza e concretude translúcidas. O bom personagem é sempre difícil, mas não porque é complexo. O bom personagem é difícil porque o bom personagem é difícil de se escalar. É como uma montanha. Você diz que o Everest é uma montanha complexa? Aposto todas as minhas fichas que dizer que o Everest é uma montanha complexa é o primeiríssimo passo para desmoronar lá de cima, ou nem conseguir chegar ao ponto de desmoronar lá de cima ou lá do meio, tanto faz, porque dizer que o Everest é uma montanha complexa é o mesmo que nunca escalar o Everest. O mesmo com os bons personagens. Mas só com os bons personagens! Os péssimos personagens são ultra-complexos. Nascem complexos e fazemos deles ultra complexos. Como um morrinho qualquer! Há que se calcular, refletir, matutar, tergiversar sobre a razão, sentido e objetivo de um mundo tão vasto haver disposto ali, diante de nós, um morrinho daqueles, coisa inútil, sem função, completamente desnecessário, será? (haja interrogação e mergulho dentro de si mesmo!)... Aí há que se ter muita complexidade, vontade e contra-vontade, para fazer o raciocínio funcionar.


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