terça-feira, 28 de outubro de 2014

# O Ator detesta falar...

O que há de mais condenatório nessa vida é ter de falar. E como não fosse condenação suficiente, ainda há aqueles que por ofício falam sobre a urgência de ter de falar. E assim replicam a tragédia. Duas vezes condenados. Os atores são dessa espécie. E sabem que o são. Por isso, ao subir ao palco, os atores não buscam nada de fundamental quando dizem o que dizem. Ao contrário. O ator convive com uma dor essencial que é despejar o quanto antes o conteúdo de sua palavra, livrar-se dela, acabar de vez com o inglório fardo de ser o portador de qual verbo seja. O ator é um carrasco de toda e qualquer linguagem, principalmente da linguagem que compreende a palavra. O ator não quer dizer. Quando diz é porque quer, o quanto antes, acabar de dizer. Voltar ao silêncio. Fechar a cortina. Desaparecer. Nada mais assombroso, ignominioso, do que essa espécie de ator contemporâneo que fala em cima do palco para depois, longe dele, continuar falando, e mais ainda.

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sábado, 4 de outubro de 2014

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Uma das maravilhas de ser ator e de poder subir ao palco - talvez a maior delas! - e distante dessa presunção banal que virou o ofício do artista, a de aparecer frente ao público para produzir ídolos afeitos aos hormônios das multidões - é justamente a sorte de poder experimentar duplicar, ou replicar, o princípio mais básico da vida, seja ele o de dar alguma substância humana no instante em que essa substância se torna viva e concreta. A sorte de fazer teatro e de ser ator é que é impossível, ao frequentar tal terreno, não se dar conta de que a vida fora dos perímetros da ficção é ela própria um teatro construído e banal, cenário onde o homem inventa enredos para sobreviver ao mistério de se saber vivo sem ter razões maiores para tal. Assim, tudo o que é imaterial (Deuses, espíritos, bruxas, duendes e afins) surgem para corroborar um medo de ver reconhecida uma precariedade evidente: não somos nada! Não temos importância alguma! O ritual do teatro, se bem entendido e aproveitado, faz com que o ator compreenda que não há misticismo algum na atividade de existir perante ao outro, que a natureza é coisa corpórea - e por isso bela! - e nada fundamentada nessas nuvens psico-dramáticas da personagem, ou ídolos a serem acessados. Não há personagem, não há ideias flutuantes, a boa psicologia é a psicologia do corpo sem qualquer psicologia, entregue à consciência de se saber vivo no instante em que vive. A imaginação só serve quando é revertida em corpo. O resto é atalho para um beco sem saída da vaidade, ou da covardia (lados opostos da mesmíssima moeda).
Que beleza que é ser ator!


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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

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A fronteira da matéria já é pensamento! Ou melhor, ou o pensamento tem fronteiras ou ele não é pensamento, virando antes conjectura abstrata. A verdade é coisa que se toca, nada afeita a nuvens de ideias imaginadas.

A personagem É o Ator! Se ele não for capaz de compreender o pensamento que envolve a ideia da personagem, não é por outra coisa senão que ele, o ator, não tem fronteiras suficientes para sê-lá. Sentir a personagem de nada adianta. Gasto vazio e barato de energia.

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quinta-feira, 2 de outubro de 2014

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Na base de tudo, o ofício do ator é um constante exercício de ética. O que há na natureza da relação do ator com a personagem? Um desejo de posse, por tornar-se um? Ou, ao contrário, a experiência de fabricação de distâncias propositais, de espaços 'entre' um e outro? Ao que me parece, as lacunas são fundamentais, porque é por elas que se pode desenvolver um olhar de vigilância generosa, considerando o espaço poético como um terreno plural e preenchido por vários olhares concomitantes e sem prejuízo de valores. O perigo da unidade, do ator que cega os olhos e imagina-se capaz de 'se tornar' a personagem - como se isso fosse de alguma forma possível -, está justamente numa ânsia suprema por atenção, algo que inspira poder, hierarquia. Na base de tudo, o ator experimenta no palco a encruzilhada diária que na vida conhecemos bastante bem: como lidar com o outro? 

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