domingo, 17 de março de 2019

Antes nenhum teatro do que um teatro dentro dum shopping. Antes livro nenhum do que folhear páginas e encontrar os anúncios das Casas Bahia. As pausas da sinfonia são tão ou mais importantes que a própria sinfonia sendo tocada. SILÊNCIO, FAVOR NÃO PERTURBAR! Essa maravilhosa frase de hotel colocada nas plaquinhas que vão nas maçanetas dos quartos deveria nos acompanhar para tudo quanto é canto da vida inteligente. Se é para enveredar pela histeria como forma de aumentar a receita, que não haja nada disso que nos acostumamos a apelidar de Cultura, e que se invista sem constrangimento na vitrine esquizofrênica que não economiza promoções para abocanhar o cliente.


Você que é ator nos dias que seguem é igualzinho a um turista de veraneio. Passa um semestre inteiro planejando suas férias para, ao final, viajar durante umas poucas e mixurucas semanas. Teatro virou pousada de fim de semana. E, o pior, há aqueles atores da imagem, da fama impressa na telinha, que enaltecem o palco dizendo que é lá onde o ator verdadeiramente se ergue e se fortalece, e não demoram a correr ao teatro para estrear as suas produções com essa chancela maravilhosa e altruísta. São mentirosos. Mentirosos vaidosos. Nunca frequentaram o teatro, nunca estudaram para estar na posição de defender o teatro, nunca se preocuparam com outra coisa senão com gerenciar suas bagagens pessoais de gente bem sucedida no mercado da moda. São turistas igualmente, e da pior espécie, daqueles que enaltecem a paisagem enquanto deixam para trás o lixo do piquenique que armaram. Voltam correndo para o território ao qual pertencem: o da propaganda e do marketing.

Adicionado a isso, temos a indústria do DRTÊ, que despeja no mercado a cada semestre uma tonelada de gente com o bendito documento conquistado a duras penas em cursos de 'formação' de 1, 2 anos, às vezes com uma carga horária extenuante de encontros aos sábados (VEJA BEM: AOS SÁBADOS... só AOS SÁBADOS). Dá próxima vez que for ao neurologista não deixe de perguntar ao médico qual acampamento de férias ele frequentou para conseguir o diploma de médico que o autoriza a abrir a sua cabeça.

Enfim, se o teatro é um evento político, os corruptos e corruptores somos nós mesmos que dele - do teatro -, fazemos uso para gazetear ao mundo que somos os únicos remanescentes da alta Cultura degenerada. Mentira. Mentirosos. É o que somos.



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Oswald de Andrade é o nosso verdadeiro Stanislavski.
Machado de Assis é o nosso Shakespeare. Memória emotiva é o escambau! Ou só se for a lembrança imediata de haver comido o vizinho ao palitar os dentes arrancando um naco enorme de carne. Somos antropófagos assumidos (delícia!), nunca psicoterapeutas do abstrato. Nosso Shakespeare é o Bruxo da pena da galhofa! O cínico, o irônico, o melancólico... Tudo junto e misturado. O Teatro moderno nasce com Machado, e nas páginas, não no palco. Subvertemos até as ribaltas ao iluminar o invisível da entrelinha... e tornamo-nos devassos! Graças a Dionísio nosso Laurence Olivier é mulher, é Dercy Gonçalves! Quarta parede é o escambau!, o lance é mostrar a xereca, falar alto, estar em cena como quem se equilibra no fio. Nosso teatro é maravilhoso e não comporta essa gende azeda e verde do sentimento sentimental, messiânicos do Deus invisível, arautos de coisa nenhuma! Um viva aos urdimentos concretos e FALSOS DO TEATRO! Aqui ninguém cresceu, patinamos na primeira infância... E GRAÇAS A DIONÍSIO! Graças a Oswald! A Machado! O mundo é uma opereta bufa... Tupy or Not Tupy, that is the question! Lugar-de-fala é o escambau! Aqui é carnaval! Meu reino por um cocar de índio! Pinto a cara de qual cor quiser! Sou Cis-Camaleônico, nipônico, hidropônico!


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É tão bom ser ator. Recomendo a todos. Não que vocês não o sejam - os que escolheram não serem atores. São. Quer queiram ou não, vocês todos são atores: dos mais tímidos aos mais falastrões, todos são atores. Talvez tenham pouca consciência disso, mas pouco importa: continuam atores com ou sem consciência de que o são. O privilégio de ser ator é saber que se é ator, no palco... e também fora dele (e talvez principalmente fora dele). Quando se é ator por escolha de ser ator a gente presta um pouco mais de atenção ao desempenho nosso no palco da vida. E rimos das nossas péssimas performances, dos nossos pífios desempenhos. Talvez seja isso mesmo: é tão bom ser ator no palco justamente para saborear o nosso péssimo desempenho fora dele. E assim nos precaver de tropeçar de novo no mesmo degrau que um dia tropeçamos, e que costumam tropeçar reiteradamente aqueles que não sabem que são atores.

É ótimo ser ator. Não há nada mais educativo (e sofrido, evidentemente) do que ser ator por escolha (e dedicação) de ser um ator.



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sexta-feira, 8 de março de 2019

É a geração dos não-atores (com DRTÊ), do não-presidente (com DRTÊ!), que é ELE MESMO, ele, um despachadão, sincerão. É a geração da espontaneidade como valor, da ausência de qualquer consciência de que há um papel público a ser representado. A tragédia é essa: quer queiramos ou não, o mundo é um palco. É a falência da personagem, do teatro, dos urdimentos, da distância entre nossa cabeça e o firmamento onde se penduram os astros, falência da reverência à indumentária que é outra pele diferente do jeans e da chinela de dedo. Tempo do teto baixo, do gabinete, da psicoterapia, de gente no divã que deseja sofrer e sofre de verdade para tratar a verdade do sofrimento como um produto a ser vendido na feira livre: a coragem do sofrer, de saber ser vítima e desejar vitimizar-se através do sofrimento. Tempo do projeto pessoal, da abertura do MEI, do microempreendedor individual, tempo do liberalismo absoluto: sobrevive quem se vende melhor. Tudo é performance, teatro-verdade, teatro-depoimento, teatro-do-eu, tempo da ágora grega transformada no quintal de casa, na goiabeira de casa, lá onde eu trepo, encontro Jêzuis... e ME salvo. Salve-se quem puder, que belo mantra. É o tempo do seja você mesmo, do coaching, tempo daquela preparadora de elenco famosa que sabe arrancar o melhor de você através de um mergulho em você mesmo. E dá-lhe tapas, autoflagelação, urros e grunhidos. Tempo do workshop, da vivência, da imersão. É a geração da selfie, da #hashtag, do grupo identitário, do bairrismo, da falência das narrativas comuns, do imaginário comum, da atrofia dos pulmões em favor do microfone de lapela, do close-up, do ar condicionado do estúdio refrigerado. É o tempo do Deus no coração, do SEU deus que resolve habitar o SEU coração, e dá-lhe olhinhos fechados, cercados por muros, cercas farpadas. É a geração que reescreve Shakespeare, Sófocles, Ibsen para que Ibsen, Sófocles e Shakespeare caibam na boca de quem perdeu a capacidade de abrir e fechar a mandíbula e agora aposta nos sussurros, nas entrelinhas, no sub-texto, no não-dito porque o que é dito é impossível de ser dito. É o tempo do ator flácido, sem tônus, molenga, do ator que jamais compreenderia a absurda corrupção que existe no fato dele se apresentar diante de uma audiência exatamente assim: flácido, sem tônus, sem voz, com o seu fiapo afetado de voz. Ao contrário: esse ator ama a molenguice, e a plateia, também igualmente atrofiada de força imaginativa, aplaude de pé a completa anemia expressiva. É o tempo do sub, tudo sub: subalterno ao gigantesco temor de sobrevoar qualquer coisa, de alçar voo e fazer uma panorâmica. Tempo do tapa-olhos, da conexão comigo mesmo, do namastê, do amém, do evoé que é mais autoajuda do que brado para os deuses. Aliás, pobres Deuses, aposentados, assistindo a tudo isso como um grande reality-show cujos brothers somos nós, autopiedosos, violentos, burros, ultra espiritualizados, íntegros, mimados até a tampa.


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