segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ah o palco italiano! O palco dos palcos! Onde o truque vale ouro! Que beleza é o palco italiano!



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Senhores? Sejamos francos! Não há necessidade alguma de ensinar o sujeito a ser ator. Primeiro porque não há grandes necessidades de haverem atores por aí. Necessidade nenhuma, aliás. Segundo, ensinar alguém a ser ator é ensinar errado. O fulano que se forma ator e insiste em ser ator sabe perfeitamente que a formação que o fez ator evitava por todos os meios que ele se convencesse de que era ator. No fundo é isso mesmo: só se é ator quando é impossível ser ator. E aí já vira uma condenação, nunca uma escolha.

Quem quiser ser ator que não o seja, pelo amor de Deus pai! De elenco de apoio o mundo já está mais do que saturado...



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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Ainda algum dia alguém haverá de investigar a razão que explica os poetas serem cabeludos ao passo que os atores, com o desperdiçar dos verbos, perderem junto as madeixas tão fartas aos primeiros.



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Teatro, senhores, é de mentira! Partamos desse fundamental princípio para que toda a verdade possível não seja outra coisa senão o fruto do suor daquele seu músculo invisível e atrofiado que outrora ganhava o nome de imaginação...



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Assistindo a uma entrevista de um desses grandes atores das antigas, e a certeza que fica é uma só:

- Ser um jovem ator nos dias que seguem é uma retumbante e magnífica falta de sorte.



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Razões que fazem do teatro a melhor das ocupações:

- Não eterniza nenhum pobre diabo.
- O sucesso e o fracasso são faces da mesma moeda, que some ligeira pelo ralo do tempo.
- É como a alcachofra e o palmito: não faz parte de nenhuma dieta oficial.
- Ideal de coisa alguma substitui a materialidade de se estar ali, debaixo de um foco de luz, pronto para experimentar a inutilidade das verdades abstratas e universais.
- Começa e termina sem que haja justificativas ou cerimônias para simplesmente começar quando é preciso começar, e terminar quando já é dada a hora de terminar.
- Emagrece mais que suco de clorofila verde batido com beterraba orgânica.
- Anta nenhuma consegue disfarçar-se de capivara. Anta que sobe ao palco revela o que de fato é: uma anta legítima.
- É o reino realizado de toda capivara hipócrita, que só é hipócrita porque é capivara genuína, e sendo genuína e capivara, não haveria de ser outra coisa senão hipócrita.
- Não sobra sequer um único violino de fundo para lhe salvar da enrascada de se sentir ridículo, que é, por si só, a mais sagrada das bênçãos.



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Um bom curso de interpretação ensina ao ator a ficar quietinho, não a cantar. Um bom curso de interpretação ensina ao ator a ficar paradinho, não a sambar no ritmo da música. E quando houver música, o bom curso de interpretação ensina ao ator a ser ele o maestro e o compositor da música, ao invés de torná-lo uma ovelha obediente e saltitante no meio do naipe das ovelhas obedientes e saltitantes...


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sábado, 21 de novembro de 2015

Adoro a pergunta 'se é arte, ou não é arte'. Que é da mesma dimensão do 'quem sou eu, de onde vim, para onde vou'. Adoro todas elas. E vivo para respondê-las. Todas elas. E desenvolvo teorias universais, estatutos oficiais, postulados paradigmáticos, pílulas esclarecedoras, emplastros de consciência, parágrafos únicos que separam o isso é, do isso não é não! E também pulo de um lado para o outro, a depender do meu estado de ânimo. Sou desses catedráticos autoproclamados e de bigodes longos que vestem toga de veludo e classificam tudo, tim tim por tim tim. E ai de quem desconfiar de mim! Há que se lançar argumentos poderosíssimos para destronar-me do púlpito onde finquei raízes! Porque, sejamos francos, no saldo das misérias terrenas e conceituais, é mais interessante sair por aí apontando a lupa para tudo quanto é possível ver e conhecer, do que, ao contrário, flanar feito uma anta eclética que contenta-se em achar que o mundo é mundo e ponto final. E se nenhuma capivara chega a lugar nenhum ao embrenhar-se nesse eterno e circular exercício da conjectura inútil, é justamente por chegar a lugar nenhum que o tal exercício vale a pena. O significado de qualquer coisa não importa patavinas nenhuma. O que vale é a busca alucinada por compreender o que diabos aquilo significa. Que é o mesmo que tentar compreender o porquê de raios eu ser esse quem sou.

Senhores ecléticos, fazei-me um precioso favor? Ides todos pastar, sim?


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Shakespeare não é para ser entendido. Shakespeare é para ser ouvido. E se for devidamente ouvido, Shakespeare é também visto. Shakespeare é igualzinho a um contador de histórias diante de uma fogueira. Há mais mistério aí do que entendimento.


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Uma foto já é o espetáculo. E se uma foto boa pode às vezes mentir sobre o espetáculo, prometendo o que não cumpre, um foto péssima, por seu termo, nunca engana - o espetáculo é ruim mesmo. O ator deveria saber fotografar-se a cada instante da cena, e a sua cena deveria ser uma sequência ininterrupta de fotogramas que ele, o ator, registra conscientemente para si próprio. Um bater de flashes de fora que lhe permitisse posar sempre, tomando a devida atenção para nunca denunciar essa tal máquina de fotografias invisível.  Porque a péssima foto sempre denúncia o péssimo ator quando é o ator que aparece na foto, com o seu jeito de ator, sua postura de ator, seu charme de ator. A boa foto que anuncia o bom espetáculo nunca é uma foto do ator. Ao contrário. É uma foto em que o ator não aparece, todo ele sumido numa postura antinatural, apagado pela máscara de sua face que não é aquela sua face que é lavada no espelho logo ao acordar na intimidade de sua casa. O bom ator que sabe posar para uma boa foto e que é o arauto de um bom espetáculo vive nessa exata contradição: faz força extrema para aparecer para então sumir. O exagero lhe confere a invisibilidade necessária para que a sua pose denote o que há de mais importante: a personagem. A péssima foto e o péssimo ator combinam-se na vaidade de vender um espetáculo cujo teatro está somente nas mãos da necessidade de fazer do ator o protagonista de tudo.


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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Faço teatro porque é tudo de mentirinha. Somente por isso... Já imaginou que inferno seria um padre acreditar que a hóstia é de fato o corpitcho do Redentor? 

É tudo fake, meu povo! Acostumem-se com a regra que rege a humanidade desde os imemoriais tempos: Quem souber enganar melhor, que engane!

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Gosto do ator-blasé. Esse tipo de ator que antes de pisar no palco e mostrar-se à plateia tem para consigo um átimo de consciência que o faz soltar um indistinto suspiro revelador: 'o que raios estou eu fazendo aqui?'. Gosto desse ator que é praticamente empurrado ao palco por alguma força misteriosa, ou mesmo por algum dever de contrato. Gosto do ator-blasé. Que sabe que mentir descaradamente demanda um esforço hercúleo, quase despropositado. Mas que mente mesmo assim. Mentindo sempre. Gosto desse ator que se desloca ao teatro com dificuldade extrema, acometido por um desânimo que lhe corrói as vísceras, quase como quem dirige-se ao patíbulo da forca para um sacrifício sem volta. Tenho ojeriza daquele outro tipo de ator: o ator intenso. Aquele que já na coxia é uma alma vibrante, histérica, totalmente embutido em si mesmo, pronto para dar tudo de si sem desconfiar do absurdo que é aparecer diante de outras pessoas ávidas por vê-lo desfilar na corda bamba. Tenho pavor desse tipo de ator. O ator intenso, genuíno. O ator do 'EU' íntimo. O ator dito 'verdadeiro', 'emotivo'. Esse tipo de ator que, enfim, perde o essencial do que o teatro tem a oferecer: a maravilhosa e igualmente dolorosa consciência do truque.

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sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Senhores? Serei franco! Uma das abominações dessa nossa cena de misérias contemporâneas em que virou praxe ser mais burro do que uma fechadura de porta enferrujada - ou tão mimado quanto um ursinho Teddy Bear com medo do escuro -, aparece encarnada na figura batizada pelo lindo nome de 'preparador de atores'. Senhores? Serei franco! Sou ator e já vim ao mundo prontinho da silva, com cabeça, tronco e membros, uns grudados aos outros e em pleno vigor de funcionamento. Por um talento inato, sei apontar com o dedo para a esquerda e andar com minhas pernas para a esquerda (repito a mesma habilidade intrínseca quando o sentido muda da esquerda para a direita). E para completar - PASMEM! - minha massa encefálica ainda não sofreu danos o suficiente para que seja ela treinada feito poodle em número de circo. E caso queiram que eu chore - porque todo ator bom nos dias de hoje é esse ator que sabe derramar lágrimas tanto quanto sabe engasgar feito uma mula disléxica ao arriscar-se a ler uma única frase de um texto qualquer -, não é necessário que haja alguém para evocar minhas dores internas, aplicar regressões patafísicas até alcançar os fundilhos do raso de minha alma condenada, fazer laboratórios da ameba esquizofrênica a título de brotar o genuíno sentimento que só quando éramos amebas sabíamos expressar, ou, enfim, recorrer aos métodos de tortura avançada à la Fátima Toledo. Não! Sou deveras talentoso, senhores! Talentoso e gelado feito iceberg à deriva para tudo quanto é gente que confunde personagem com um subterrâneo íntimo de emoções a ser cavoucado (#stanislavskyNÃOmeREPRESENTA). Saco logo uma cebola do bolso e viro a Maria do Bairro num único estalo de dedos. Senhores? Serei franco! Vão terceirizar o MEU trabalho lá na casa da Mãe Joana e deixem-me entronado na minha santa paz. E caso queiram preparar alguma coisa, que preparem logo um strogonoff de frango com bastante creme de leite, que é o meu prato preferido.

Obs: ide todos pastar!


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Shakespeare é simplérrimo, é só reunir coragem para fincar os pés no chão e dizer o texto. Aí perguntam-me: mas e a complexidade da personagem? E eu devolvo: essa é a complexidade: não existe complexidade nenhuma, tampouco existe personagem. E não havendo personagem para ser complexa, não há jeito de haver complexidade alguma. Essa coisa de 'personagem' é fruto dessa bendita geração da psicologia-mimada do século XX-XXI, filha-herdeira dos tempos de glória do realismo-naturalista, prima-irmã do cinema americano, sobrinha-neta dos novelões cotidianos da Rede dos Marinho. Essa coisa de 'personagem' conferiu ao ator uma importância que ele não tem e nunca teve no teatro dito popular, o teatro que de fato levava (e ainda leva?) o teatro ao povo - digo, a urgência de revolver o âmago e de lá fazer brotar uma lágrima legitimadora de seja lá qual sentimento íntimo. Shakespeare é outra coisa. Shakespeare é popular, é teatro puro, teatro que não mente ser teatro. Shakespeare é 'de mentirinha', não é psicológico, tampouco realista-naturalista, quiçá adepto das frescuras sentimentais do cinema americano. Shakespeare é dificílimo de se dar conta porque há nele uma simplicidade retumbante. Não há em Shakespeare personagem alguma, há vetores de força, linhas de potência. E para dar conta disso são  necessárias algumas poucas coisas básicas: corpo e fôlego. É necessário também que o ator desenvolva um certo altruísmo voluntário que permita ao espectador completar com sua imaginação aquilo que é dito sobre as tábuas. O ator que encara Shakespeare é antes de tudo um atleta, um dançarino, um músico. Tudo isso, exceto um ator embrenhado em qualquer complexidade abstrata ou impalpável. É tudo tão simples! Basta acalmar o ego, isentá-lo de afetações lacrimosas, subir ao palco, respirar fundo, e enfrentar os leões. É isso! Shakespeare é mais parecido com uma arena de leões ávidos por abocanhá-lo do que com algum consultório médico em que há um divã preparado para você ruminar suas lamúrias e as lamúrias da existência humana.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Senhores? Sejamos francos! A personagem não sente
A personagem É!
Querer que a personagem SINTA antes que ela SEJA é satisfazer ao ator - é dotá-lo de uma estatura que ele não tem
E achatar todo o resto

O mal do teatro é satisfazer ao ator
E matar todo o resto

Teatro é bom quando a importância do ator é alçada através de sua completa desimportância


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Teatro tem que ser difícil, quase impossível.
Porque tudo o que é misterioso é intrincado, dificílimo.
E se não há mistério não há teatro. O bom teatro, ao menos.
A criança já nasce gostando do impossível.
O princípio das brincadeiras da criança parte daquilo que é inimaginável.
De difícil apreensão. O jogo é sempre difícil. O bom jogo, ao menos.
Nós, adultos, é que nos tornamos idiotas ao querer compreender tudo.
Ao querer facilitar tudo para que tudo seja compreendido.
Teatro tem pouquíssimo a ver com a intelecção do que quer que seja.
Os grandes poetas dramáticos são antes magos que comunicadores.
Teatro nenhum deveria preocupar-se em fazer com que a plateia entenda coisa alguma.
Deveria, ao contrário, convidá-la a perder-se na dificuldade do mistério.
As palavras que sobem ao palco deveriam ser dificílimas de se pronunciar.
Os gestos todos deveriam ser antinaturais.
Cada passo um tremendo esforço para se cumprir.
E se, ao cabo de tudo, ninguém entender patavinas nenhuma.
Ponto para o teatro.
Que cumpriu com o seu sagrado dever.
O bom teatro, ao menos.



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