sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Shakespeare é simplérrimo, é só reunir coragem para fincar os pés no chão e dizer o texto. Aí perguntam-me: mas e a complexidade da personagem? E eu devolvo: essa é a complexidade: não existe complexidade nenhuma, tampouco existe personagem. E não havendo personagem para ser complexa, não há jeito de haver complexidade alguma. Essa coisa de 'personagem' é fruto dessa bendita geração da psicologia-mimada do século XX-XXI, filha-herdeira dos tempos de glória do realismo-naturalista, prima-irmã do cinema americano, sobrinha-neta dos novelões cotidianos da Rede dos Marinho. Essa coisa de 'personagem' conferiu ao ator uma importância que ele não tem e nunca teve no teatro dito popular, o teatro que de fato levava (e ainda leva?) o teatro ao povo - digo, a urgência de revolver o âmago e de lá fazer brotar uma lágrima legitimadora de seja lá qual sentimento íntimo. Shakespeare é outra coisa. Shakespeare é popular, é teatro puro, teatro que não mente ser teatro. Shakespeare é 'de mentirinha', não é psicológico, tampouco realista-naturalista, quiçá adepto das frescuras sentimentais do cinema americano. Shakespeare é dificílimo de se dar conta porque há nele uma simplicidade retumbante. Não há em Shakespeare personagem alguma, há vetores de força, linhas de potência. E para dar conta disso são  necessárias algumas poucas coisas básicas: corpo e fôlego. É necessário também que o ator desenvolva um certo altruísmo voluntário que permita ao espectador completar com sua imaginação aquilo que é dito sobre as tábuas. O ator que encara Shakespeare é antes de tudo um atleta, um dançarino, um músico. Tudo isso, exceto um ator embrenhado em qualquer complexidade abstrata ou impalpável. É tudo tão simples! Basta acalmar o ego, isentá-lo de afetações lacrimosas, subir ao palco, respirar fundo, e enfrentar os leões. É isso! Shakespeare é mais parecido com uma arena de leões ávidos por abocanhá-lo do que com algum consultório médico em que há um divã preparado para você ruminar suas lamúrias e as lamúrias da existência humana.

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