quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Gosto do ator-blasé. Esse tipo de ator que antes de pisar no palco e mostrar-se à plateia tem para consigo um átimo de consciência que o faz soltar um indistinto suspiro revelador: 'o que raios estou eu fazendo aqui?'. Gosto desse ator que é praticamente empurrado ao palco por alguma força misteriosa, ou mesmo por algum dever de contrato. Gosto do ator-blasé. Que sabe que mentir descaradamente demanda um esforço hercúleo, quase despropositado. Mas que mente mesmo assim. Mentindo sempre. Gosto desse ator que se desloca ao teatro com dificuldade extrema, acometido por um desânimo que lhe corrói as vísceras, quase como quem dirige-se ao patíbulo da forca para um sacrifício sem volta. Tenho ojeriza daquele outro tipo de ator: o ator intenso. Aquele que já na coxia é uma alma vibrante, histérica, totalmente embutido em si mesmo, pronto para dar tudo de si sem desconfiar do absurdo que é aparecer diante de outras pessoas ávidas por vê-lo desfilar na corda bamba. Tenho pavor desse tipo de ator. O ator intenso, genuíno. O ator do 'EU' íntimo. O ator dito 'verdadeiro', 'emotivo'. Esse tipo de ator que, enfim, perde o essencial do que o teatro tem a oferecer: a maravilhosa e igualmente dolorosa consciência do truque.

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