segunda-feira, 30 de junho de 2014

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Todos somos potencialmente idiotas; os que não o são pertencem a dois grupos: os que já morreram, e os que ainda não tiverem o desprazer de nascer nesse mundo incrivelmente idiota. Sabendo que só os vivos, e todos eles sem exceção, são idiotas, há, então, dois tipos de grupos de idiotas vivos: o idiota politizado, e o idiota que sabe que é idiota. Na balança da idiotice, felizes dos idiotas que celebram a idiotice sem o desejo nobre de querer curá-la, sendo esses últimos, os desejosos por reformas de leis e costumes, a raça mais idiota que já pôde estrear nesse teatro fanfarrônico de boçais idiotas. Em suma, seu bagre fedorento e idiota, deixe de ser besta (há idiotas privilegiados que não são bestas!) e vá viver o que lhe resta dessa imprestável vida junto aos seus pares de infortúnio sem desejos outros senão o de preservar com unhas e dentes esse seu talento inequívoco para a prática do esporte da idiotice!


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Compadeço-me de nossos bravos tupiniquins-de-chuteiras, ainda que de chuteiras bambas, no exato momento. Não sou jogador de patavinas nenhuma, embora seja essa uma de minhas mais retumbantes frustrações em vida: poder estufar o peito no exercício maravilhoso de não servir para nada de útil, e ser respeitadíssimo por isso - fato que torna o futebol a mais grandiosa das artes contemporâneas. Para aplacar tal decepção, tornei-me ator, um jeito 'CULT' e lúdico (talvez uma maneira bela de justificar um estado permanente de retardo infantil) de insistir na mesma máxima - quer resolver os problemas da humanidade? Desejo-lhe boa sorte, e, principalmente, não conte comigo! O que quero dizer, enfim, é que compadeço-me dos nossos jogadores, afinal, sei bastante bem o que deve se passar nos bastidores dessa contenda mundial. O ator vive em sua labuta diária  um eterno e constante 'Maracanazo', sempre na iminência de falhar, errar o texto, decepcionar os que saíram de casa e enfrentaram o trânsito para conceder-lhe alguns preciosos minutos de paciência contemplativa. O ator convive com a sombra da sua irrelevância, com a mais corrosiva consciência da sua pequenez frente ao tamanho de um Sófocles, Shakespeare, Ibsen e afins. Entrar num estádio lotado, imagino, deve causar algo semelhante na cabeça dos nossos craques, talvez aquela coceira existencial que diz: 'O que raios eu estou fazendo aqui?!?!?' Ainda que tudo seja em uma escala muito menor - infelizmente o teatro hoje é no máximo um passatempo dos que tem algum tempo para desperdiçar, o ator combina-se em perfeição ao exemplo do jogador de futebol, e eu, no meu minúsculo anonimato, compreendo que pisar no gramado, assim como adentrar o palco escuro no exato instante do início do espetáculo, é, na mais rasteira das ocasiões, um ato desproposital, irrefletido e deveras ousado. Mas, a despeito de tudo, alguma coisa misteriosa nos impele a prosseguir, a levar adiante o gigantesco desafio de nos servir aos apetites dos leões famintos. 


Está tendo copa! E está sendo um baita espetáculo! Rogo minha eterna inveja e os maiores respeitos aos meus companheiros de crise!


Viva!!! 

domingo, 29 de junho de 2014

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Não sou interessante! Se tenho orgulho de algum talento que preservo com unhas e dentes é esse: ser antipático ao extremo ao coletivo. Não desejo plateia nenhuma! Se apareço frente a alguma é porque apareço e pronto, questão de pura vaidade mal resolvida.

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Nós, atores de hoje, definitivamente nascemos na época errada.... Imagine que desperdício Pelé ter vindo ao mundo como compadre de Sófocles, Ésquilo e Eurípedes? O teatro de hoje era o de ontem, o gramado é o palco que insistimos em buscar nos tablados que rangem sem qualquer interesse coletivo maior que um passatempo. A tragédia e a comédia iniciam-se pelo ressoar de um apito. É lá que os grandes temas e personagens são tratados. A epopéia veste camisas futebolísticas. Édipo já teve seu tempo. Não mais. Os três sinais e a cortina que se abre dentro de uma sala de espetáculos nunca foram tão dispensáveis como nos tempos que seguem. Enfim, nascemos nós atores, na época errada.

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Não sei quem é mais idiota: o sujeito que vive para abocanhar fãs, ou os fãs, que em bandos e urros, vivem para aclamar um idiota...

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Repare! Nenhum dos grandes - sejam eles dramaturgos, atores, pintores, músicos, dançarinos -, trata do homem como objeto íntimo, recheado de interioridade particular de forma a fazer do sentimento a razão da obra. Todos os artistas exemplares entendem claramente que a arte grande é aquela que trabalha no campo do ideal, do extraordinário, da máscara como emblema do impossível, do absurdo talhado pelo jogo lúdico, enfim, de tudo o que foge dessa nossa geração de lacrimejadores ambulantes. Nossa perda de sentido ético e político não está no desinteresse sobre a ética e a política, mas na insistência em se sentir tudo, em chorar para tudo, em se colocar como imagem perfeita de um organismo vitimado e sofrido, disposto a afetar-se por tudo dentro do seu círculo reduzido de relações. O que nos torna hoje medíocres é justamente o desejo de fazer do sentimento o argumento que antes pertencia à força poética da palavra, do som, das cores, da fábula heróica, elementos de porte maior, muito superior a qualquer ímpeto melodramático de chupar o dedo e mostrar aos outros o fruto de tão ousada ação.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

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Encontrar alegria na miséria é tarefa mais tranquila do que enxergar a miséria quando se está alegre... A cegueira é coisa que vem de brinde quando tudo parece navegar em águas tranquilas (basta botar o focinho debaixo da água para ver a quantidade de tubarões famintos rondando o seu bendito lombo)

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Não confio no caráter de quem não tem sono logo depois do almoço.

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Nada seduz mais a minha atenção do que a falta de sentido aparente das coisas desimportantes


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quarta-feira, 25 de junho de 2014

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O desafio passa longe de querer ensinar... Ao contrário! A tarefa epopéica é fazer os jumentos interromperem essa gana gigantesca por querer aprender tudo e qualquer coisa! Ainda se conhecimento fosse como capim, vá lá. 

terça-feira, 24 de junho de 2014

Um dia após o jogo do Brasil: A Depressão da Utilidade


Senhores, saiam às ruas e vejam como a cidade já retoma aquele ritmo só seu de cavalo de batalha dos esquizofrênicos, cada qual trancafiado ora dentro do seu utilitário de quatro rodas, ora compartilhando o sovaco alheio dentro do coletivo barulhento que mais parece carroceria de caminhão de cana. Vejam senhores como a fila do self-service enfileira novamente aquela matilha de executivos enforcados por gravatas de linho de seda, todos efusivos por bater o cartão em suas rotinas miseráveis de subserviência à simpatia do chefe de cabelo engomado, não sem antes engordurarem-se com os repastos daquela refeição comandada por tic-tacs invariáveis. Vejam senhores como somos todos tarimbados para o exercício da utilidade, ansiosos por somar um mais um é igual a dois, atentos às demandas daquilo que quando cumprido não altera em absolutamente nada a miséria a qual optamos por corroborar com o suor que nos cabe. Vejam senhores como os vapores de enxofre do progresso sobem aos céus indicando que estamos na ativa. Observem, senhores, a tez enrugada daqueles que anônimos formam a massa de trabalhadores, respeitabilíssimos, é verdade, para contribuir ao sem sentido que desde pequerruchos fomos habituados a louvar. Lembro-me de meu pai rendendo elogios à natureza labutal desse nosso povo que logo às cinco da matina, antes mesmo do galo entrar no batente, já está de pé para a sua ladainha de marchadores do ofício diário. Pois até hoje, já crescido que estou, nunca percebi qualquer vantagem em frequentar a curta existência nesse entreato cujas olheiras são as únicas a virarem protagonistas. Vejam, senhores, como gostamos de reuniões de negócios, ligações telefônicas, trocas de documentos e e-mails corporativos, tudo para fazer a manutenção daquilo que já está, como se precisássemos olhar o tempo inteiro ao espelho e dizer: muito bem, continuo sendo quem sou, ainda que para isso seja preciso fingir uma infinidade de máscaras patéticas. Ah, senhores... por que raios a copa do mundo é coisa que não dura? Talvez justamente por essa razão: o que realmente importa é o que morre cedo, sem direito algum de permanência. Ainda se pudéssemos praticar essa regra, sabendo que também condenados somos ao esquecimento eterno. Mas alguma coisa nos diz: seja útil! Cumpra com o seu dever de deixar algum legado a ser erigido em forma de estátua para que os seus semelhantes aplaudam!

Ah... quem dera o mundo inteiro fosse um enorme campo gramado de futebol!   

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terça-feira, 10 de junho de 2014

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Tudo o que o indivíduo é incapaz de resolver para consigo, seja por desconhecimento, teimosia, preguiça ou mesmo por pura incompetência consciente, reverte-se em brado coletivo. Repare! A solidão é silenciosa porque sabe-se integrada a um contínuo processo de aprendizado nunca satisfeito, já o coletivo sempre é movido a barulhos justamente porque é necessário e urgente tapar os ouvidos para o que há dentro de si, coisa insuportável para quem deseja sentir-se acolhido. Nossa derrota está na covardia de, ao menor sinal de crise, correr para os braços solidários dos outros.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

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Junto com os anos vem junto o doce elixir da descrença, nasce ele com a queda gradual dos fios capilares da credulidade, desnudando o cocuruto para sua forma original copiado da tenra infância, quando o espírito ingênuo - e por isso mais sábio - cede terreno aos poucos para a burrice madura da utopia. Velhice e infância, estados de senilidade contemplativa e anárquica, refratários aos ímpetos coletivos e reformistas, não são os extremos da existência por acaso. Parece que a vida nos dá a preciosa oportunidade de abrir as cortinas com olhares curiosos, encarar a encrenca de encenar monólogos pendurados por títeres alheios, para, depois e finalmente, desfrutar do espetáculo no conforto anônimo do camarote do restante dos dias...

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Gosto de pensar porque faz dos meus miolos miolos pensantes; agora, o que pensam, e pensando, para onde vão? Fazer de Dom Quixote ciente dos mapas o livra dos gigantes (que não o são), e também dele de si... Cavaleiro errante.

sábado, 7 de junho de 2014

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O que eu não daria para tudo largar e virar um desses músicos de trupe circense que assopra seu trombone com o fôlego de quem garante beleza para apenas uma só fanfarra?

O que sobraria se eu desse adeus a toda essa sinfonia e sobrasse apenas uma fila de assopradores de metais?

Será por isso que a vida é demais?

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Guardo para a literatura o mesmo preciosismo que preservo em cima do palco... Se for para escrever a vida tal como ela é dita nas ruas, melhor seria poupar o meu esforço de cansar os olhos. 

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Se você anda em dúvida sobre alistar-se ou não no exército, aconselho uma visita ao cinema de um shopping no sábado a noite; desconfio que chegue a mesma conclusão que eu: lutar contra uma legião de inimigos sob o risco de ver voar os miolos pelos ares é tarefa mais reconfortante do que misturar-se aos seus aliados felizes e pulantes, todos a mastigar pipoca em decibéis para lá de humildes... 

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Sentado num café e padecendo terrivelmente de um desejo de silêncio para poder folhear com paz o livro que acabo de comprar, lembro-me daquela cena em que uma centena de japoneses em meio aos destroços do tsunami aguardam em absoluto mutismo a vez de ganhar um macarrãozinho instantâneo. Aqui, no reino da felicidade tropical, sem rogar a nenhuma hecatombe visível a razão de nossa miséria, são as gargantas que trabalham sem parar, como se ansiosas para romper o tímpano alheio antes que o próprio gogó cale-se para todo o sempre... 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

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Se escrevo é mais para saber que escrevo do que para desejar ser lido. Os escritores de ofício, coisa que evidentemente não sou, deveriam ser como os atores, almejar esquecimentos. Nada me tira da cabeça que os grandes gênios da literatura o são menos pelas obras primas que chegaram até nós, e mais por tudo aquilo que foi produzido e se perdeu, sumindo para sempre. Há qualquer magia especial nesse egoísmo autossuficiente que preserva o mistério sem nunca desejar compartilhá-lo. 

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Nada mais definidor do caráter de alguém do que observar uma madame perfumada com um chihuahua no colo... Trocasse esse modelo cão-chaveiro por um espécime de porte voluntarioso, como um labrador, e eu seria capaz de botar minha mão no fogo pela natureza ética e moral dessa mesmíssima senhora.

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A estupidez é sempre feliz e afeita a afagos. Uma anta emburrada é coisa tão rara quanto um chihuahua boa gente... Repare!

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Um parágrafo mal escrito é mais criminoso que um político corrupto e picareta. Sabendo que todos somos picaretas por princípio (e políticos corruptos por sobrevivência), ser um mentecapto gramatical já é questão de talento e árdua dedicação pessoal.

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Quanto mais o tempo passa e a minha careca sopra à minha consciência de que a única certeza dessa vida é descrer das certezas humanas, anunciando a tumba como lar altamente desejável que sorri para nós com ares de pompa e circunstância, enfim, quanto mais patino nesse enredo novelesco da existência, mais percebo que tratar de política é exatamente enfrentar uma disputa de boteco, tentando convencer o Fulaninho-de-Tal que o artilheiro do seu time é a solução para a miséria do futebol atual, enquanto o Sicrano morre de rir dizendo que o meia que acaba de chegar a sua agremiação do coração, esse sim - sujeito de habilidades inequívocas! - reúne todo talento para fazer a diferença. O que muda é somente a pretensão dos atores da cena, mas o teor do discurso é exatamente o mesmo. Os politizados, porém, são sempre mais patéticos, já que jogam ares de importância a um negócio perdido que os apaixonados por futebol reconhecem perfeitamente como tal. No final, tudo não passa de um jogo para lá de inútil e imprestável, e saber disso é tratá-lo com respeito e valor devido! Os amantes do futebol estão anos luz a frente dessas bestas eruditas e politizadas...

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Parece-me incrível encontrar alguém que goste de teatro e odeie futebol. Os dois terrenos, para mim, são irmãos-gêmeos, sem tirar nem por. Tanto o teatro quanto o futebol tratam de elevar as questões humanas - tirando-as desse pasto insosso da sisudez politicalóide-argumentativa - para o patamar do arbitrário, do efêmero. Os dois campos, o palco e a grama, valorizam o ato irresponsável, a irreverência de zombar do tempo futuro das promessas ao concentrar no instante um determinado gozo patético, sem qualquer razão ou propósito que não seja o de desfrutar o 'sem sentido das coisas'. Paradoxalmente, está nessa atitude de distância da vida, da afirmação do lúdico, uma das propostas mais efetivas em termos também políticos, coisa capaz de alterar aquilo que na esfera da praça pública - com suas manifestações éticas e morais - não conseguimos nunca dar conta, ou seja, a ideia de que vivemos para o transitório, para aproveitar uma breve passagem por debaixo dos holofotes. E isso nos dá um alcance mais humano para as questões que rondam a periferia do nosso tão egoísta umbigo dramático. Por incrível que pareça, o drible e o ator, o jogador e o intérprete da cena, são exemplares a nós justamente pelo proposital descompromisso de suas ações efetivas. Ganharíamos muito se fôssemos um país mais teatral (futebolístico já o somos!) e menos imbuído dessas lutas partidárias e ideológicas que tanto nos amofinam a cuca para dar em lugar algum.

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Me parece um insulto um artista proclamar-se feliz, sem carregar nas costas - um pequeno peso que seja - de melancolia.

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Estivesse a Madre Teresa de Calcutá no poder, ciceroneada por ministros-querubins, e ainda assim haveria essa trupe de jovens revoltados com sabe-se-lá-o-quê nas ruas, gritando que a vida é injusta, curta e humilhante.

Libertê-Igualitê-Fraternitê!

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Todos os artistas, futebolistas, jogadores de iô-iô, lapidadores de grãos de areia e arroz, equilibristas de cabo de vassoura no nariz, enfim, todos os marginais da vida em geral deveriam agradecer ao fato justamente de serem marginais, de poder olhar a vida à distância, safando-se dos ímpetos reformadores dos funcionários da utilidade. Todo e qualquer desejo de politização, de interferência nos caminhos éticos e morais do coletivo, é matéria de empobrecimento (quando não de emburrecimento) dessa fatia privilegiada que só pode garantir a sua total liberdade imaginativa quando entende-se náufraga. Ao ser perguntado a respeito do estado atual das coisas de seu país - seus infortúnios e conquistas -, um artista nos honraria deveras caso respondesse: 'E o preço da banana, como é que tá?' 

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Me compadeço mais ao ver um cão já velho, com dificuldade para andar, do que com todas as imagens reunidas de meus semelhantes padecendo as misérias da vida. Isso porque há qualquer coisa de dignidade nos animais que nós, mesmo aos gritos, passamos longe de alcançar.

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Fora do indivíduo só há generalidades. E é só no testemunho do geral em que é possível tratar de como tudo o que é indivíduo patina numa falsa ideia de ser quem se é. Não é pela análise microscópica que se descobre a doença, e sim nas evidências físicas que vivem a eclodir sem que tenhamos paciência para prestar atenção, ocupados que estamos em habitar o pequeno quintal de nós mesmos.

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Das vantagens de ser um absoluto miserável convicto:

Decrete greve e mande o seu patrão, você mesmo, catar coquinho! Quando resolver desentortar o beicinho, readmita-se... (mas que isso não se repita, ouviu?)

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Se juntar-se garantisse alguma coisa, a formigada estaria aí, a lecionar sociologia nas melhores cátedras universitárias.

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Às vezes eu me pergunto o que seria do tédio sem um bigode para cofiar. Parece-me que as pontas do bigode vieram ao mundo só para cumprir essa importante missão: impedir que o sujeito se enforque na absoluta falta de sentido da vida.

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Carrego comigo a profissão de ofício mais adorável do mundo, e igualmente a mais detestável de todos os tempos... E é precisamente isso o que a torna irresistível.