terça-feira, 24 de junho de 2014

Um dia após o jogo do Brasil: A Depressão da Utilidade


Senhores, saiam às ruas e vejam como a cidade já retoma aquele ritmo só seu de cavalo de batalha dos esquizofrênicos, cada qual trancafiado ora dentro do seu utilitário de quatro rodas, ora compartilhando o sovaco alheio dentro do coletivo barulhento que mais parece carroceria de caminhão de cana. Vejam senhores como a fila do self-service enfileira novamente aquela matilha de executivos enforcados por gravatas de linho de seda, todos efusivos por bater o cartão em suas rotinas miseráveis de subserviência à simpatia do chefe de cabelo engomado, não sem antes engordurarem-se com os repastos daquela refeição comandada por tic-tacs invariáveis. Vejam senhores como somos todos tarimbados para o exercício da utilidade, ansiosos por somar um mais um é igual a dois, atentos às demandas daquilo que quando cumprido não altera em absolutamente nada a miséria a qual optamos por corroborar com o suor que nos cabe. Vejam senhores como os vapores de enxofre do progresso sobem aos céus indicando que estamos na ativa. Observem, senhores, a tez enrugada daqueles que anônimos formam a massa de trabalhadores, respeitabilíssimos, é verdade, para contribuir ao sem sentido que desde pequerruchos fomos habituados a louvar. Lembro-me de meu pai rendendo elogios à natureza labutal desse nosso povo que logo às cinco da matina, antes mesmo do galo entrar no batente, já está de pé para a sua ladainha de marchadores do ofício diário. Pois até hoje, já crescido que estou, nunca percebi qualquer vantagem em frequentar a curta existência nesse entreato cujas olheiras são as únicas a virarem protagonistas. Vejam, senhores, como gostamos de reuniões de negócios, ligações telefônicas, trocas de documentos e e-mails corporativos, tudo para fazer a manutenção daquilo que já está, como se precisássemos olhar o tempo inteiro ao espelho e dizer: muito bem, continuo sendo quem sou, ainda que para isso seja preciso fingir uma infinidade de máscaras patéticas. Ah, senhores... por que raios a copa do mundo é coisa que não dura? Talvez justamente por essa razão: o que realmente importa é o que morre cedo, sem direito algum de permanência. Ainda se pudéssemos praticar essa regra, sabendo que também condenados somos ao esquecimento eterno. Mas alguma coisa nos diz: seja útil! Cumpra com o seu dever de deixar algum legado a ser erigido em forma de estátua para que os seus semelhantes aplaudam!

Ah... quem dera o mundo inteiro fosse um enorme campo gramado de futebol!   

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