segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Sou ator porque o único jeito de ser honesto nessa vida é mentindo.



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Não entendo ator que gasta energia fazendo lobby... Seja em benefício de quem quer que seja, ou do que quer que seja. Há aqueles que fazem festa para promoverem a si próprios, como se fosse necessário ser 'aceito' no hall da vizinhança para que se encontre um direito de expressão. Esses são os bonitinhos aspirantes à fama, ou os já famosos, esses que não medem esforços para vender sabão em pó em troca da lembrança de que ainda existem por aí, com aquele mesmo timbre de voz, com aquele mesmo cabelo arrepiado para cima e o mesmo olha cândido de quem deseja tudo de bom a você e a sua vovózinha. Ainda pior é ator que faz campanha beneficente. Mas em benefício de quê? De um mundo melhor? Acho bastante justo que se preocupem com a crise humanitária lá no Turguenistão-do-Norte, tomara Deus que não haja mais injustiças na Criméia ou em Botsuana, mas..., ora, não é papel do ator ser ele mesmo um apátrida, um excomungado, desterrado, alguém desinteressando pelo imediato das demandas para que possa ele ter o precioso direito a fazer vibrar o que é essencial para além do que é contingente às coisas? Não deveria ser o ator a própria encarnação da crise, daquilo que não queremos ver, das violências concentradas e que camuflamos por razões várias? O ator deveria ser respeitado não por sua vocação ao concreto das esquinas da vida, e sim pelo seu poder de inoculação simbólica, atemporal, daquilo que por não ser tangível consegue tocar fundo em nossa consciência de sermos quem somos.


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Imagine se as igrejas esvaziassem e os teatros lotassem? Que perigo seria para o poder estabelecido trocar o mito pelo rito?


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domingo, 21 de agosto de 2016

Todo bom personagem tem uma ganância de engolir o mundo. Tudo que aí existe, para o bom personagem, está fora dos eixos. E é ele, o bom personagem, a válvula motriz daquilo que deveria ser mas não é. É a imagem do que nós, personagens mixurucas, não podemos ser por força desse mesmo mundo que é engolido pelo bom personagem. O bom personagem é o próprio teatro como contraponto às regras estabelecidas, é a experiência concreta de uma força sempre represada em nós. Porque existe em algum canto de cada um de nós esse grito revolucionário, ganancioso, egocêntrico, de botar tudo e a todos aos nossos pés, sem concessões... E se o bom personagem naufraga é só porque é da sua natureza naufragar. O naufrágio é coisa reservada somente aos bons personagens. A grande maioria das personagens - que não são boas personagens - termina na mesma monotonia como começou, boiando na calmaria de uma existência que não produz na água qualquer ondulação digna de nota, sempre padecendo de uma vida de gabinete, sem grandes questões maiores do que escolher entre o chá de camomila e o de erva cidreira.


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sábado, 20 de agosto de 2016

O preço maior que se paga por ser ator é o reconhecimento de que tudo é teatro. Que há teatro na esquina de sua rua. Que o padeiro da padaria não é um padeiro de fato, mas alguém que vestiu a personagem do padeiro. E assim ele segue sendo padeiro sem desconfiar de que não é padeiro coisa nenhuma. E assim ocorre com todo mundo, com tudo, com todos os cenários e situações. Há teatro em tudo. A regra é haver teatro. Não conhecemos outra maneira de viver senão fingir que vivemos sem suspeitar de que fingimos. Mas o ator de ofício - esse sim -, compreende tudo isso. Ele mente e sabe que mente. E a única chance que há de ser sincero consigo mesmo é a de dizer a verdade no palco maior da mentira: o próprio teatro. E o fardo é justamente esse: reunir energias suficientes para quando as cortinas se abrirem a farsa da vida não interferir na sua vocação particular de dizer que tudo, absolutamente tudo - do começo ao fim -, é uma grandessíssima ilusão.
Paga-se um preço grande pela escolha de ser ator. Ou alguém duvida de que a vida do padeiro que não é padeiro mas acha que é padeiro é infinitamente mais tranquila e desejável?



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Odeio atores que tratam a personagem na terceira pessoa. Odeio igualmente aqueles atores que elegem a primeira pessoa para se referirem à personagem. Na verdade, odeio atores.



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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A melhor invenção do teatro foi a máscara. A pior invenção do teatro foi a personagem. Sem a máscara, o ator passou a acreditar que pode ser mais importante do que a sua completa e declarada desimportância...


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O ator é o negativo. O que ele imprime não são as cores da paisagem, muito menos é ele, o ator, a paisagem em si. O ator é aquilo que se esconde, os cantos escuros, as sombras..., tudo aquilo que, por não conseguirmos enxergar, dá direito de existência àquilo que enxergamos.


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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Gasta-se tanta energia dizendo coisas para, ao final da empreitada, chegar-se à conclusão de que nada precisa ser dito. Teatro é fundamental por isso: ensina-nos a elaborar os silêncios, as sombras, os cantos de intimidades não-reveladas. É como se, quanto mais iluminados pelos refletores, mais rapidamente sentimos necessidade de correr para a surdina da penumbra dos bastidores.



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Não é curioso que tenhamos por ofício ser tantos quanto sabemos que jamais poderíamos ser? Mas, ainda mais surpreendente que isso é entender que por trás dessa aventura de personalidades múltiplas nunca nos despedimos daquele um que somos, desse um que desde o início fomos, e que escondemos em benefício dos disfarces que vestimos. Porque, a bem da verdade, só podemos ser tantos justamente porque é impossível ser tantos, porque mentimos que os somos todos, mas mentimos tão bem que enganamos, a nós e aos outros, e sem deixar de preservar esse riso contido de quem sabe que está sendo visto, e de que é preciso levar adiante a farsa toda, que é, no saldo final dos enredos, muito mais interessante do que a própria vida.
Se somos todos atores, é igualmente verdadeiro dizer que só aos atores de ofício cabe o direito de desfrutar dessa maravilhosa arte de enganar e de saber que se engana.



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Tenho dislexias severas para perímetros vizinhos e faro aguçadíssimo para lonjuras transcontinentais. Se me perguntam na rua como é que faz para chegar na rua onde eu mesmo deito residência eu enrolo-me todo e acabo por desculpar-me dizendo que sou novo na cidade. Agora, sou capaz de molhar o dedo indicador com uma lambida minha, oferecê-lo feito radar ao sabor do vento sudoeste, e apontar para que lado fica a Islândia.


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Quando o povo quiser lágrimas faça-o sorrir, quando o desejo for o de dar risadas, então, surpreenda-os com um silêncio desses de dar nó na garganta. Não dê nada de mão beijada para o público. Ao contrário. Promova expectativas e cumpra-as com ausências. Deixe que o espectador trabalhe. De preguiças já estamos mais do que saturados.


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