domingo, 21 de agosto de 2016

Todo bom personagem tem uma ganância de engolir o mundo. Tudo que aí existe, para o bom personagem, está fora dos eixos. E é ele, o bom personagem, a válvula motriz daquilo que deveria ser mas não é. É a imagem do que nós, personagens mixurucas, não podemos ser por força desse mesmo mundo que é engolido pelo bom personagem. O bom personagem é o próprio teatro como contraponto às regras estabelecidas, é a experiência concreta de uma força sempre represada em nós. Porque existe em algum canto de cada um de nós esse grito revolucionário, ganancioso, egocêntrico, de botar tudo e a todos aos nossos pés, sem concessões... E se o bom personagem naufraga é só porque é da sua natureza naufragar. O naufrágio é coisa reservada somente aos bons personagens. A grande maioria das personagens - que não são boas personagens - termina na mesma monotonia como começou, boiando na calmaria de uma existência que não produz na água qualquer ondulação digna de nota, sempre padecendo de uma vida de gabinete, sem grandes questões maiores do que escolher entre o chá de camomila e o de erva cidreira.


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