sábado, 30 de agosto de 2014

#

Toda exposição é obscena. Ainda pior quando ela é feita em nome dos outros...


...



...

domingo, 24 de agosto de 2014

#

Nas minhas entrevistas imaginárias à Marília Gabriela, sempre penso naquele momento final do 'Chico Carvalho por Chico Carvalho', e, dessa vez, respondi assim, anunciando meu epitáfio e parafraseando Brás Cubas: 'Não tive filhos, não doei ao Criança Esperança nem joguei balde de gelo na cabeça, não transmiti a nenhuma criatura, enfim, o legado da minha miséria'.

Marília Gabriela: Lindo!... Esse foi Chico Carvalho. Obrigada, Chico! Até o próximo programa...

(Créditos)


...



...

#

Esgoto minha vaidade sendo vaidoso, deliberadamente e sem vergonha de o ser. Não faço da minha vaidade um atributo do meu caráter em benefício de outra coisa senão de mim mesmo. Acredito que essa é uma vaidade benéfica, um egoísmo benéfico, e bastante diferente da outra vaidade, aquela só existe para provar ao mundo um exemplo a ser admirado e seguido, exatamente como uma solidariedade gananciosa, fingindo olhar para o outro enquanto olha exclusivamente para si. Se é para ser um personagem, que antes eu possa admitir-me claramente ator de mim mesmo!

...



...

#

Às vezes eu penso que se por uma hecatombe da providência divina não houvesse cachorros no universo para drenar toda a minha carência afetiva, nem assim, admito, faria parte desses movimentos sociais em prol da melhora da miséria do mundo... Acho que, ao invés disso, encontraria nos paralelepípedos um ombro amigo onde me escorar.



...



...

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

#

Não há perigo maior para um artista do que esse ímpeto por formar turmas, guetos, clubes onde possa habitar uma certa solidariedade coletiva. Há obrigatoriamente dentro do artista uma grande dose de insatisfação sobre a vida e tudo o que compete a ela, coisa que só pode germinar na solidão. E é esse campo de semeadura interno, da revolta e incredulidade sobre o que acontece no mundo ao seu redor, que faz do artista um artista. Sua obra não é uma necessidade de comunicação - isso os jornalistas e pregoeiros públicos dão mais do que conta -, mas o resultado de uma urgência impossível de reter. Há ferocidade no artista, não essa candura  típica dos que representam classes, bandos, amigos e etc...

...


...

#

Num país onde até um jegue vira ator (se for um jegue charmoso e descolado), então feliz dia do jegue atrasado para você que é ator, ou jegue... ou os dois, ou nenhum... tanto faz.


...


...

#

Neste glorioso dia 20 de agosto em que se comemora o dia seguinte ao dia-do-ator, não sei porquê, mas suspeito (por que será?) que as coisas continuam {oram vejam só!} na mesmíssima, e rotineira, farsa [de sempre!]


...




...

#

A humanidade toda me seria mais aprazível caso habitasse somente às madrugadas, e deixasse a mim a tarefa de observá-la quieta, dormindo...

A tristeza é que hora ou outra todos resolvem acordar e sair zanzando por aí num mesmo e eterno desperdício de passos medonho...


...



...

#

Meço meu sucesso profissional pelo meu cabide: quando abro a porta do armário e não vejo uma única e bendita camisa social pendurada, sinto-me a mais realizada das criaturas bípedes...


...



...

#

Gostaria sobremaneira do desafio do balde de gelo se houvesse a seguinte variante: a de que os intrépidos desafiantes enfiassem a cabeça dentro do balde para afogarem-se, a exemplo do autor da proposta, e assim contribuir deveras para com o futuro da humanidade, ou seja, diminuindo a população desse formigueiro que cada vez mais faz brotar chineses pelo ladrão, congestionando a 23 de Maio e adjacências...


...



...

sábado, 16 de agosto de 2014

#

Não é curioso perceber que aquilo que a boca fala os ouvidos captam, ao contrário do que ocorre aos olhos, imagem nunca refletida a quem é autor do ato de ver, a não ser através de algo externo a nós, um espelho, por exemplo?

...


...

#

Não há benesse maior para o ator do que experimentar a sua própria invisibilidade. Digo o ator de teatro, esse elemento de resistência aos apetrechos tecnológicos, espécie de Dom Quixote que aparece aos olhos alheios para não se ver, mas para ser visto. O máximo que faz é ouvir a própria voz, elo essencial da comunicação com o outro. O teatro é, antes de tudo, história contada, coisa que dura por um breve tempo para depois morrer, condenando tudo e a todos ao vazio da memória. Mas esse terreno de desmoronamento é um terreno fértil, propenso à imaginação, ao trabalho coletivo que faz formar ao redor de uma fogueira toda uma assembleia atenta, palpitando em uníssono na expectativa do passo seguinte a ser dado pelo herói. O ator de teatro é um contador de histórias, faz da sua voz uma rede poderosa que sabe derramar no oceano para que os peixes sintam-se atraídos por ela. O ator de teatro não usa isca nem anzol, não precisa recorrer à força do convencimento, ao exercício físico de puxar para si a atenção do espectador como o faz a imagem asséptica da televisão. Graças a Deus o ator de teatro não se vê, porque não se vendo pode se ouvir, e ao ouvir a si próprio abre espaço fundamental para ouvir e ver os outros, aqueles lá estão naquele instante preciso, presentes e desejosos para configurar parte de algo maior que o individual.

Ontem tive a sorte e o prazer de assistir à estreia do espetáculo de teatro ‘Caros Ouvintes’, em cartaz no auditório do MASP. O esplendoroso trabalho dos atores, aliado a um texto e direção igualmente primorosos, conta a história do naufrágio do rádio como veículo disseminador das radionovelas, anunciando o futuro imperioso da televisão. O trabalho não é só o registro de um tempo que já não existe mais, mas também a triste constatação de que pertencemos a uma geração de preguiçosos, extremamente resistentes aos mistérios do ouvir, sedentos por fatos, imagens e informações que satisfaçam aos olhos uma espécie de curiosidade mórbida. A perda da capacidade de ouvir está diretamente associada à atrofia desse músculo poderoso chamado imaginação, hoje tão desprezado pela urgência dos suportes tecnológicos. E perder o sentido do imaginar é distanciar-se do outro, torná-lo inimigo, estranho.

A loucura do ator de teatro é atirar-se à tarefa de brecar o tempo para poder prosear junto com a plateia. Ontem, no auditório do MASP, o teatro cumpriu a sua mais fundamental missão: a de restaurar uma melodia comum, a da humanidade que ainda há latente em cada um de nós.

Corram para assistir ao espetáculo ‘Caros Ouvintes’!

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

#

Servem pipoca para a plateia do teatro. No início estranhei, afinal, a coisa não é teatro? Mas depois acostumei, afinal, tudo parece teatro. O palco parece de teatro, mas é tão grande e com um par lustres portentosos pendurados no teto - tipo Fantasma da Ópera -, que o teatro fica envergonhado de se chamar teatro. Na verdade, não se chama teatro, é THEATRO! A plateia também não se importa, afinal, no começo a plateia também parecia plateia de teatro, mas o destino concedeu-lhe um curioso apadrinhamento com as caravanas que compõem o auditório do Silvio Santos (incluindo aí a capacidade intelectual mesclada aos impulsos elétricos que o cérebro manda às mãos para que aplaudam quando é preciso aplaudir). Enfim, tudo parecia que era de verdade, mas era a pipoca mesmo que devia ser pipoca... mas não comi, afinal, vai que?...

...


...

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

#

Quando o médico que me atendeu ontem soube que eu era ator, lançou-me um sorriso e disse que os nossos ofícios não eram de todo incompatíveis, que ambos, eu e ele, lidávamos com o fingimento. O médico atento ao que o paciente diz sentir mas não sente - só o fazendo para chamar a atenção -, e o ator, que para ser alvo de atenção deve saber fingir aquilo que os outros devem tomar como verdadeiro.

No final das contas ele provou-me que o que eu sentia naquele exato instante - imaginava toda a sorte de moléstias malignas para a minha perna que não desinchava havia dois dias, incluindo uma necrose completa seguida de amputação emergencial... - era a mais ignominiosa mentira! Apenas um trauma muscular simples, nada demais (dei com o focinho no chão!)

Não fosse por uma diferença crucial que o digno doutor não tomara ciência, diria que o médico havia saído com uma goleada para cima de mim. Mas dei o troco, ainda que intimamente e sem compartilhar o que pensava. A razão final é essa: o médico é o extremo oposto do ator! Enquanto o médico esforça-se por curar, nós, atores, não economizamos em produzir a doença. Nossa tarefa, antes de solucionar os agouros humanos, é disseminar toda espécie de vírus e epidemias.

Fui pra casa feliz, e curado daquilo que imaginava ter, e não tinha!




...




...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

#

Ou o seu ofício é uma espécie de condenação da qual é impossível fugir, ou todo o amor íntimo que você concede a ele, e faz questão de proclamar aos quatro ventos, não passa de exercício auto-referente, sintoma de patologia vaidosa...


...


...

#

O teatro é uma espécie de vírus concentrado, composto semelhante ao da vacina, algo que adverte os anticorpos do perigo da doença, sendo ele próprio, o teatro, uma dose calculada da própria doença, mas somente o suficiente para envenenar sem causar danos, ou, antes, contaminando a todos, atores e espectadores, para que saibam reagir quando de fato infectados, na iminência da abertura das portas da sala de espetáculo para a rua...


...




...

domingo, 3 de agosto de 2014

#

Com todo o respeito imerecido aos meus semelhantes, mas, fosse me dado a escolher, escolheria um mundo lotado de tigres, um mundo com leões saindo pelo ladrão, panteras e jaguatiricas em cada esquina, um mundo com rinocerontes tomando café na padaria e ursos polares desfilando na semana de moda outono-inverno da SP Fashion Week. Preferiria coçar a orelha de lobos a ter de fingir cordialidade a quem também finge gentileza a mim. Com todo o respeito indevido aos meus semelhantes, mas preferiria mil vezes um mundo de selva concreta e verdadeira a esse teatro miserável onde os que tem cérebro impõem um protagonismo mequetrefe, e, de tão péssimos atores que são, mal conseguem dar conta de um prólogo sem despertar piedade nos seus próprios colegas de cena.


...




...

#

Shakespeare deixa-me numa encruzilhada eterna. É a mistura de uma complexidade concreta: há que se ter pulmões sadios para despejar tanto verbo, disposição física para bailar os versos, consciência corporal para estar presente a cada segundo de uma jornada onde absolutamente nada é desperdiçado - um único dedo comunica, uma única pausa abre as fronteiras para universos grandiloquentes... Mas, ao mesmo tempo, é tão simples deixar-se levar por esse rio caudaloso que o autor propõe, exercendo uma ignorância sensível e calculada, em nada havendo o que contribuir àquilo que já existe como potência.
É tão simples, e, por outro lado, tão complicado...



...




...

#

Há quem veja no trabalho um sentido para a vida... Eu o tenho como comprovação da total falta de sentido dela.

Grato por ser ator.


...


...

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

#

Veja bem, não faço campanha pra salvar nada nem patavinas nenhuma: ONG, paróquias, creches, teatros, retiros de harekrishna, casas de apoio aos tenentes reformados da guerra do Paraguai, asilo de focas-albinas... Enfim, gasto tempo demais tentando curar as chagas que afligem meu cansado lombo, e evitando com isso que o vizinho possa vir a se contaminar com elas.


...


...

#

Constatação óbvia: 

O ator deve cuidar do corpo... os miolos que venham na carona. Inverter a equação é o mesmo que querer cozinhar um ovo antes de ferver a água.

#

Ninguém é inteligente assessorado por plateias... A inteligência é coisa que ecoa nas paredes da solidão.


...


...