sexta-feira, 8 de março de 2019

É a geração dos não-atores (com DRTÊ), do não-presidente (com DRTÊ!), que é ELE MESMO, ele, um despachadão, sincerão. É a geração da espontaneidade como valor, da ausência de qualquer consciência de que há um papel público a ser representado. A tragédia é essa: quer queiramos ou não, o mundo é um palco. É a falência da personagem, do teatro, dos urdimentos, da distância entre nossa cabeça e o firmamento onde se penduram os astros, falência da reverência à indumentária que é outra pele diferente do jeans e da chinela de dedo. Tempo do teto baixo, do gabinete, da psicoterapia, de gente no divã que deseja sofrer e sofre de verdade para tratar a verdade do sofrimento como um produto a ser vendido na feira livre: a coragem do sofrer, de saber ser vítima e desejar vitimizar-se através do sofrimento. Tempo do projeto pessoal, da abertura do MEI, do microempreendedor individual, tempo do liberalismo absoluto: sobrevive quem se vende melhor. Tudo é performance, teatro-verdade, teatro-depoimento, teatro-do-eu, tempo da ágora grega transformada no quintal de casa, na goiabeira de casa, lá onde eu trepo, encontro Jêzuis... e ME salvo. Salve-se quem puder, que belo mantra. É o tempo do seja você mesmo, do coaching, tempo daquela preparadora de elenco famosa que sabe arrancar o melhor de você através de um mergulho em você mesmo. E dá-lhe tapas, autoflagelação, urros e grunhidos. Tempo do workshop, da vivência, da imersão. É a geração da selfie, da #hashtag, do grupo identitário, do bairrismo, da falência das narrativas comuns, do imaginário comum, da atrofia dos pulmões em favor do microfone de lapela, do close-up, do ar condicionado do estúdio refrigerado. É o tempo do Deus no coração, do SEU deus que resolve habitar o SEU coração, e dá-lhe olhinhos fechados, cercados por muros, cercas farpadas. É a geração que reescreve Shakespeare, Sófocles, Ibsen para que Ibsen, Sófocles e Shakespeare caibam na boca de quem perdeu a capacidade de abrir e fechar a mandíbula e agora aposta nos sussurros, nas entrelinhas, no sub-texto, no não-dito porque o que é dito é impossível de ser dito. É o tempo do ator flácido, sem tônus, molenga, do ator que jamais compreenderia a absurda corrupção que existe no fato dele se apresentar diante de uma audiência exatamente assim: flácido, sem tônus, sem voz, com o seu fiapo afetado de voz. Ao contrário: esse ator ama a molenguice, e a plateia, também igualmente atrofiada de força imaginativa, aplaude de pé a completa anemia expressiva. É o tempo do sub, tudo sub: subalterno ao gigantesco temor de sobrevoar qualquer coisa, de alçar voo e fazer uma panorâmica. Tempo do tapa-olhos, da conexão comigo mesmo, do namastê, do amém, do evoé que é mais autoajuda do que brado para os deuses. Aliás, pobres Deuses, aposentados, assistindo a tudo isso como um grande reality-show cujos brothers somos nós, autopiedosos, violentos, burros, ultra espiritualizados, íntegros, mimados até a tampa.


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