domingo, 12 de novembro de 2017

Ser ator é o exercício mais absolutamente político que pode existir... Tomar para si discursos que não são seus, inventar posturas que jamais seriam espontaneamente experimentadas pelo seu corpo, e tudo isso com prazo de validade curtíssimo, condenado que somos a voltar a uma normalidade desetemperada dos exageros propositalmente forçados. Mas a beleza da coisa está justamente aí: o lado político do ofício do ator está para além da consciência de que se é um fingidor no ato mesmo do fingir. As consequências são posteriores. Já não se pode mais considerar a normalidade como algo normal ou natural. A personagem funciona como esse espelho invertido que faz amplificar aquilo que antes soava como atributo pessoal e íntimo, escondido do foco de atenção alheio. Curiosamente, o ator, em alguma medida, desenvolve uma inevitável esquizofrenia que poderia ser resumida assim: quanto maior for o seu tempo sendo outros, mais chances haverá dele reconhecer que a única personagem possível e viável é aquela que atravessa a rua despreocupadamente, sem intenção alguma de angariar palmas ou ter medo das vaias. O esquisito da ficção passa a ser o natural. A vida recebe o título de enredo dramático. Ao ator, enfim, cabe essa dialética, que é um caminho pavimentado para a manutenção de um certo ceticismo privilegiado: se o mundo é um grande palco, melhor divertir-se com seus absurdos, rir das suas comédias, chorar como choramos ao assistir a um filme dramático debulhado em lágrimas. Consertar o que quer que seja já não é mais uma opção, tão patético quanto advertir Hamlet de que há veneno na ponta da espada.

Nada mais político do que ser ator.

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