sábado, 1 de julho de 2017

Discordo dessa ideia de que falta direção aos atores, aliás, sou da opinião contrária: o que não falta é atenção aos atores, tanta atenção que hoje chegamos ao patamar de encontrar atores que sobem ao palco para contar ao público que são atores, e que a história que irão contar é a história deles próprios, e a partir deles mesmos (RIP Dionísio). E isso se deve a uma razão bastante simples: estamos na era que preza por mimar os atores, e a tal ponto que tudo vira em função do ator: a personagem só funciona se o ator descascar as suas emoções, emitir as suas opiniões, colocar-se por inteiro a serviço daquilo que ele é para que alguma coisa possa acontecer. E quase sempre nada acontece, evidentemente. Ou o que acontece poderia muito bem acontecer distante dos olhares alheios e no conforto do divã de um psiquiatra. E a reboque disso aparecem os coachs ou preparadores de atores que só estão lá para funcionar feito séquitos dos atores, para facilitar ao ator a ser quem ele já é e sempre foi, ajudá-lo a escarafunchar no mergulho íntimo do si-mesmo, e tudo chancelado pela etiqueta da expressão autêntica. Não! Não! Não faltam diretores de atores, falta é gente que mande os atores irem pastar e preocupem-se com o espaço, com a indumentária, com a dramaturgia, com a música, com a arquitetura de tudo aquilo que compreende o teatro, incluindo aí também o ator. Se o ator é importante é só porque ele necessariamente engendra e junta todos esses elementos, somente por isso. Os melhores diretores que tive ao meu lado foram essencialmente artistas da encenação. Encenadores que legavam a mim a responsabilidade de canalizar aquilo que criavam na minha periferia para que a personagem surgisse dessa equação de soma dos elementos concretos e palpáveis que o teatro oferece como linguagem. Eu nunca sei o que é a personagem que represento em cena, e não sei porque preciso não saber para que eu possa poder agir com as ferramentas que me são dadas e aquelas que eu devo oferecer como interprete que sou. A personagem é de responsabilidade do público, não minha. Aliás, é minha também, mas só é minha porque dela eu não faço nenhuma questão de me ocupar. A personagem aparece porque eu empresto-me ao exercício da expressão, e não porque a personagem é expressa pelo meu esforço em expressá-la. Não existe nada mais desanimador do que pensar o trabalho do ator como um exercício de preenchimento de uma ideia de vida possível - a personagem. Ao contrário! O trabalho do ator é maravilhoso porque ele necessariamente deve se esvaziar dessa tentação de ser alguém. É de uma pretensão estúpida e fadada ao fracasso querer ser Hamlet, e igualmente é de uma idiotice sem tamanho convocar uma plateia para reafirmar que você é você mesmo.


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