quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Faço dois personagens atualmente no teatro. E por isso tenho que me desdobrar em quatro: os dois personagens que tenho de fazer, e mais outros dois de mim que me vigiam ao fazer cada personagem que faço. Na verdade, são cinco: os dois personagens, os dois de mim que vigiam cada personagem que faço no instante em que estou lá a fazê-los, e um outro distanciado desses todos que gerencia essa equação para que tudo ocorra sem grandes percalços. Ou melhor, devo admitir, são seis. O último deles um outro de mim que assiste a tudo o que faço e fazem por mim sem precisar entrar em crise ao calcular se o resultado do meu esforço é bom ou não. Para terminar logo com isso, são sete os de mim que existem ao mesmo tempo para que haja teatro naquilo que me proponho a fazer. O sétimo eu deixo no camarim, dormindo, a espera de que tudo acabe. Esse sétimo odeia ter de esperar que tudo acabe. A depender dele eu nem teria ido ao teatro para fazer teatro. Mas amo de paixão o sétimo, porque sempre valorizo as contra-vontades e aqueles que carregam uma certa síndrome de Bartelby: MELHOR NÃO SUBIR AO PALCO. O oitavo de mim só existe para contrariar esse que nasceu para me advertir das enrascadas que é ser ator. É por esse oitavo que eu confiro a razão de eu não desistir nunca, ou melhor, de não desistir naquele instante, porque depois que tudo acaba eu desisto, e o sétimo - o cético-sábio e emburrado - volta a imperar. Guardo ainda dois de mim na reserva: o nono e o décimo. O nono me ama, quer que eu seja o melhor ator do universo - e sabe perfeitamente que eu sou o melhor ator da face da Terra -, vive a bajular-me e soltar confetes no meu cocuruto já quase careca. O décimo me consola, diz que eu nasci no tempo errado, me oferece uns tragos para acalmar os ânimos feridos e evitar que eu me atire da ponte em razão da certeza de que tenho de que sou um completo fracasso, um erro das ribaltas, um zé ninguém que veio ao mundo para fazer o pior tipo de figuração possível...

Enfim, carrego dez de mim...
E só consigo fazer teatro assim
Quando quem eu sou decide por bem estapear
Ou beijar
O pobre diabo que me faço ser
E isso todas as noites
Debaixo de aplausos
Ou desviando dos tomates.

...

....

Nenhum comentário:

Postar um comentário