terça-feira, 10 de outubro de 2017

Não sei se gosto mais do que faço ou de pensar no que tomei por decisão fazer. E uma coisa não alivia a outra, ao contrário. Quanto mais penso nessa atitude maravilhosamente maluca que é fingir quem eu não sou, mais decididamente complicado se torna o ato deliberado de fingir. É uma dúvida hamletiana na acepção do termo. Porque se finjo quem eu não sou eu dou-me por certo de que eu sei quem eu sou para poder deixar de sê-lo e virar um outro que não eu. Mas também desconfio de que isso seja possível e, então, chego a conclusão de que eu finjo sempre e, portanto, representar não passa de um estado natural e potencializado desse eu genuíno que eu já sou e sempre fui. Mas aí complica ainda mais porque não há ideia mais triste do que ser quem se é no exercício do ofício que escolhi fazer. E então finjo que eu finjo que eu não sou um fingidor para poder, aí sim, enganar aos outros e a mim, esses outros e eu mesmo que adoramos ser enganados. É por isso que o exercício de vestir uma máscara, o de representar um papel, é uma atitude essencialmente política, porque ela é dialética quer se queira quer não. A cada esforço criativo um abismo de dúvidas e espaços incompletos se abre diante de nós. E é por isso que ser ator é um encargo de extrema angústia, porque olhar-se no espelho e nunca ter a imagem precisa de quem se é é, no mínimo, desesperador. Mas também fascinante. Conviver nesse intervalo de vazios é ganhar o direito de não pertencer a nada nem a ninguém. É poder rir e chorar do mundo com uma intensidade ainda maior do que seria rir e chorar fazendo parte desse mundo. É ser um Brás Cubas, um defunto-autor, e também um autor-defunto.

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