Todo mundo deveria fazer teatro. Mas não para fazer teatro como fazemos nós, esses que insistem em reivindicar uma importância ao despropositado ofício de fingir quem não se é e fazer disso uma teimosia quase diária e ininterrupta - nem todos precisam carregar o fardo de tamanha loucura! -, mas tão somente para se ter uma mínima sensação e consciência elevada do que é convergir um esforço descomunal para algo que sabemos efêmero, passageiro, instante rapidamente engolido pelo tempo. Essa qualidade de existir para uma coisa que não dura, para um mínimo de minutos e segundos que escoam inexoravelmente através dos dedos, é de uma pedagogia fundamental para entender qualquer espécie de atividade fora do teatro. Porque dedicar tamanha atenção a algo que termina é também questionar-se a razão de existirmos, uma vez que para qualquer coisa que fazemos inevitavelmente é regra gastar energia com o que não podemos dominar. O ínfimo minúsculo do teatro, o foco fechado e difuso do refletor que ilumina um microcosmo nada importante, é também o exercício de celebrar o mistério de persistirmos nesse eterno esforço que é reconhecermo-nos falhos e incapazes e ainda assim seguir adiante com a próxima cena. Hoje, durante o espetáculo, vendo tantos bons atores ao meu redor, todos suando em bicas para uma coisa que dali a instantes deixaria de existir, testemunhando esse ridículo bailado coreografado mas que ganha uma dose gigantesca de dignidade diante dos olhares alheios, penso que o teatro cumpria com a sua maior função, que é exatamente a experiência concreta da enorme interrogação que nos move adiante sem que haja desejos de olhar para trás. É esse mistério que faz o abrir e cerrar das cortinas, e que nada mais é do que uma celebração coletiva dos nossos risos infinitos misturados às lágrimas que tampouco conseguimos deixar de verter. Já dizia o poeta que há mais coisas entre o céu e a terra do que pode sonhar a nossa vã filosofia. O teatro é só o canal disso tudo, sem querer nada ensinar ou explicar.
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