quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Sou territorialista. Mais por respeito ao território do que por alguma deferência a quem o ocupa. Em função disso, acho uma afronta corromper o território por um desejo pessoal de satisfazer um desejo íntimo, ou por mera distração de entendimento do sentido que há pisar no território em que se pisa. Dias atrás ouço uma entrevista no rádio de uma determinada atriz de televisão que está em cartaz num dos palcos mais tradicionais de São Paulo. Digo atriz de televisão porque é isso mesmo. Há atores de teatro e há atores de televisão, e cada um que se entenda a respeito da diferença que há entre um território e outro. E se digo que há atores de teatro e de televisão não é para qualificar as habilidades dos atores de teatro e de televisão, mas porque o território do teatro definitivamente não é o mesmo território da televisão. A tal da atriz, em sua entrevista toda descontraída, dizia que o espetáculo - um monólogo cômico feito sob medida para a intérprete - fazia de tudo para divertir a plateia, que o texto permitia cacos e interações improvisadas com o público, e que, ao final, ainda debaixo do refletor, prometia atender a todos os que desejassem tirar uma selfie e conversar sobre a apresentação. Ora, eu sei que a origem do nosso teatro popular está no ator, na empatia do cômico central da companhia com os seus espectadores, que as pessoas saíam de casa para ver Procópio Ferreira, Jaime Costa, Dulcina e Dercy Gonçalves... Mas, sabendo que eram atores de teatro, toda a empatia construída era construída através do território do teatro, o que tornava o palco uma extensão de uma linguagem específica para o ofício de artistas que eram artistas das ribaltas. A imagem desse tipo de artista de teatro, parece-me, era determinada pelas fronteiras do teatro, da labuta diária no teatro, um charme erigido pelo suor de quem conhecia as dimensões do palco de cor. E quanto a essa atriz? Nunca a vi previamente no teatro antes que a sua figura explodisse na televisão, e tão logo ela explode na televisão o teatro passa a virar a sala de visitas da sua fama, da sua empatia, do seu charme pessoal, charme e empatias que em nada tem a ver com a escala de forças que competem às tábuas do teatro. Não sou tão pretensioso a ponto de dar nomes a essas forças que dão substância ao território teatral, mas posso suspeitar de quem não entende que um evento teatral não pode caber no tamanho de um gabinete doméstico como se pudéssemos convocar o palco a reproduzir uma lágrima escorrida ou um riso extrovertido na mesma medida de um enquadramento de uma câmera de estúdio. Não vi a tal da peça da atriz. E não preciso ver a tal da peça para chegar a essas conclusões. O papo com a entrevistadora era natural demais, cotidiano demais, pessoal e íntimo demais. Tudo o que a cena, corrompida por essa intimidade exacerbada, deve reproduzir. O território do teatro é também desmoronado pela maneira como a ele reportamos. Não se trata, novamente, de exagerar uma artificialidade britânica, mas, definitivamente, não se pode fazer teatro ou falar de teatro com o mesmo timbre de voz com que se mastiga um pastel na feira, ou com aquela descontração delícia de quem é entrevistado na mesa do café da manhã pela Ana Maria Braga junto com aquele urubu-anão-de-espuma-verde.
Sou territorialista. Definitivamente cada coisa e cada um que se arrumem no seu devido lugar.


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