sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Houve um tempo em que a personagem era uma máscara. O ator era aquele quem respeitosamente oferecia-se para vestir a máscara. Havia uma distância entre o rosto do ator e o objeto-máscara, um pequeno vão de respiro, um espaço mínimo mas fundamental. Misturavam-se, ator e máscara, sem se misturar. Depois, com o passar do tempo, na predominância dos interesses burgueses e das linguagens realistas, o ator entendeu por bem encontrar uma empatia com a máscara, torná-la próxima de si, colar ao rosto aquilo que antes era um objeto independente. Por um interesse apaixonado na personagem, o que era artificial e concreto tornou-se abstrato e íntimo, e também invisível. O rosto do ator agora aparece em primeiro plano, que é também o rosto da personagem, uma mistura indistinta, sem espaços de respiro, sem vãos a separá-los. E então chegou o tempo atual em que personagem nenhuma existe, somente o ator e os seus sentimentos de ator. Somos todos performers, intérpretes daquilo que somos. O interesse apaixonado agora é um apaixonar-se por si mesmo e pelas expressões que dizem respeito ao abstrato das coisas que nos ocorrem internamente. A instituição da personagem como máscara sumiu. De tantos desejos que temos de nos apoderar da personagem - o que antes era impossível pela atribuição mítica que existia no objeto-máscara -, matamos a personagem e viramos reféns do pequeno mundo que nos cabe, incomunicáveis com os arredores porque tudo se resume a fazer sentido ao impalpável de nossas emoções. Representamos para nós mesmos na ideia de que estamos a representar para os outros. 
Fazer teatro hoje carrega uma vocação de retorno à aldeia, uma necessidade ética e política de recuperar uma comunicação despovoada desses sentimentalismos modernos e capaz de voltar a acessar imaginários comuns.


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