segunda-feira, 2 de maio de 2016

Fui ao teatro e havia na fileira da frente da que eu estava sentado duas senhoras de idades matusalímicas que preferiram odiar-me a assistir ao espetáculo. E tudo porque a peça que víamos mostrou-se ser duas peças diferentes: enquanto eu me divertia horrores com o que os atores faziam no palco, as duas senhoras - duas tiranossauras-rexas recém saídas do ovo jurássico -, entediavam-se em proporções semelhantes. A cada gargalhada minha as duas senhoras-mesozóicas ajeitavam-se nas poltronas, bufavam, ameaçavam encarar-me, suspiravam de raiva e indignação por haver um pobre idiota - eu - a estrebuchar-se daquilo que, na
visão delas, graça nenhuma tinha, e que não era, evidentemente, a minha interpretação do que ocorria. E claro que eu, consciente da irritação da qual eu era autor e ator principal, passei a gostar ainda mais do espetáculo, e por duas razões: primeiro porque o espetáculo era definitivamente um espetáculo para se gostar, quer houvesse duas senhoras entediadas diante de você ou não, segundo porque desenvolvi um prazer sádico em aporrinhar aquelas duas senhoras entediadas que aprenderam a detestar duas coisas na mesma ocasião: a peça e eu. Às vezes eu ria ainda mais alto só para vê-las fervendo de cólera. Às vezes eu ria em instantes despropositados, e só para observá-las, as duas matusalímicas, arrancarem as perucas brancas de vontade de me esganar vivo. E pensei cá comigo: teatro não é uma coisa maravilhosa? Mesmo na plateia, há sempre espetáculos silenciosos tão interessantes quanto o que acontece na moldura da ficção. E não é um belo exemplo de forçada democracia também? Porque a convivência dos contrários é necessária, e quase que natural e bem vinda. Em tempos de golpe jurídico, não há jurisdição imposta de fora que faça do teatro uma ditadura. Até mesmo eu, sádico que sou, ou fui - ou serei -, tenho, ou tinha - ou vou ter -, a minha margem de atuação garantida.


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