sexta-feira, 13 de maio de 2016

A maior contribuição política do teatro é não mentir que teatro é teatro. Porque teatro que é teatro diz claramente ao mundo - esse mundo que aí está, que é mundo desde que o mundo é mundo, e que é inevitável deixar de sê-lo - que há uma chance de salvação, uma pequena chance de salvação. Que é possível inventar uma outra coisa para além daquilo que já existe, que se paramentar de um jeito esquisito é inaugurar uma esquisitice da qual somos carentes porque contaminados estamos pela ladainha sistemática dos dias sempre iguais. E esse é o maior fardo a se carregar: o tédio insustentável de ter de ser alguém já previsto no script sem sal do destino, de justificar a obra da qual não se é o autor, que nos foi imposta sem abertura alguma para subversões. A maior contribuição política do teatro que é teatro é poder inventar, é ter a audácia e a irresponsabilidade descarada de agir como a criança que entorta os eixos do teatro do mundo. Inventar, não sonhar! Porque sonhar podemos sonhar sozinhos, na intimidade dos nossos gabinetes íntimos. E quando o sonho é coletivo ele é perigoso, esbarra em utopias, em abstrações tomadas como verdades, em cerceamento da capacidade de fugir do status quo. Mas inventar é verbo primordialmente generoso, é convocar o outro para brincar também. É deixá-lo brincar. E é saber também que uma hora o jogo termina, a caixinha de música é fechada, a sanfona silenciada. A invenção só é inventada para poder ela própria deixar de existir, para que depois possa dizer a quem dela tomou parte: "bobinhos! Enganei a todos!" A maior contribuição política do teatro que é teatro é organizar o tempo num começo, meio e fim, e que, por fim, acabe, devolvendo a consciência de que tudo o que se viveu não passou de uma tremenda farsa tragicômica, triste e feliz, melancólica e delirante. A maior contribuição do teatro que é teatro é transmitir esse cinismo carregado de ceticismo que nos prova que a vida que vale a pena viver ainda não está pavimentada, ainda não foi descoberta, e que alcançá-la será sempre uma sentença de morte. O melhor tipo de teatro é esse teatro sem leme, que nos embarca numa aventura de rumo incerto, sem respostas, sem mensagens ideológicas, sem receitas prontas, sem prestar contas ao desejo do mundo de ser ele explicado, analisado, aplaudido. O melhor tipo de teatro é teatro que faz política mostrando a língua para a plateia. 

Em tempos de horizontes sombrios, o teatro aparece como esse oásis de esperança, sempre receptivo ao desejo de mandar às favas tudo o que há de podre no reino da Dinamarca.


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