domingo, 8 de maio de 2016

Tenho medo da plateia. Sempre tive medo da plateia. Essa coisa de que o ator é essa figura destemida que chama o espectador para dançar, no meu caso, é a mais pura balela. Sou travadíssimo. Tenho pavores espetaculares de pisar nos dedões dos espectadores. E se entro para a cena ainda assim é porque mantenho comigo esse medo. Preciso dele. Ou dele não consigo me livrar. Nunca é agradável o teatro no instante em que o teatro acontece. Agradável é quando termina. Mais ou menos, imagino eu, como acontece com o paraquedista: o instante da queda livre não é exatamente um instante agradável. Agradável é pousar. Mas para pousar foi necessário antes saltar. E o instante prévio ao salto, então - também imagino - é equivalente ao momento prévio à entrada do ator no palco: pavor completo. Agora, protejo-me do meu medo no teatro. Digo, no edifico do teatro. O teatro é a coisa de que mais gosto do teatro. Às vezes acho que o teatro vazio, completamente vazio, sem atores e espectadores, sem espetáculo algum, sem luzes acesas, cortinas abrindo e fechando, aplausos e murmúrios, só o teatro silencioso - palco e plateia como imensidões desoladas -, é suficiente para manter o maravilhoso mistério do qual o teatro é portador. É esse mistério que me encanta, que me faz suportar o medo da plateia. Mas e quando o teatro é feito sem que haja teatro, na rua? Aí o medo é quadruplicado. A plateia vira automaticamente um lar de feras selvagens, cada uma delas sedenta por abocanhar a minha jugular. A ideia da espontaneidade - de que é preciso lidar com o frescor da rua, adaptar-se às contingências da rua -, eleva meu pavor a enésima potência. Não, não! Definitivamente eu não sou nada espontâneo, nada extrovertido, nada afeito às idiossincrasias daquilo que está por acontecer e não foi planejado. Muito ao contrário! Gosto mesmo é da solenidade, do ritual há séculos ensaiado, repetido e testado à exaustão! Que maravilha que é o spalla entrando na sala de concerto, todos os
músicos levantando-se, a plateia aplaudindo, o violinista pedindo pela nota lá do oboé, a afinação da orquestra na sequência, o silêncio que advém disso, o vácuo incrível preenchido pela expectativa da entrada do maestro que, finalmente, aparece na sala para receber novos aplausos e instaurar novo silêncio para, enfim, dar início à sinfonia. Sou desse tipo: da solenidade. Solenidade que só é possível de acontecer num espaço interno, de teto artificial. O teto do céu me dá medo. A plateia da rua me apavora. Eu piso no pé de todos. Eu tropeço em mim mesmo. Gosto da mentira. Gosto da artificialidade das danças ensaiadas. Quando chamam-me a gingar na cadência daquilo que é improvisado, tenho desejos incomensuráveis de sumir. 

Viva o teatro! Viva o teatro que acontece no teatro!

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