sexta-feira, 6 de maio de 2016

A ausência da máscara enquanto objeto concreto e tangível deixa o ator dos nossos tempos - o tempo da psicologia (ainda ela?) - numa enrascada: como interpretar a personagem? Pois o ator que veste a máscara ou dela tem consciência sabe perfeitamente que essa é uma questão vazia. Lidar com o que não existe para tentar ao invisível imprimir existência é como semear uma horta com sementes de plástico na espera de que uma árvore frondosa seja dali brotada. E o invisível ao qual a ideia de personagem se pauta é diferente daquele invisível da imaginação poética, tão caro ao evento artístico. Porque uma coisa é convidar a audiência a brincar - e para isso é necessário que haja jogo, faz de conta, combinações lúdicas, parcerias coletivamente estabelecidas -, e outra, bastante diferente, é ensimesmar-se numa disputa íntima em que se gasta precioso tempo a correr atrás de uma abstração pincelada nas entrelinhas de um papel. Porque a questão é justamente essa: o ator que identifica na personagem o real motivo dos seus esforços está sempre a correr atrás da ideia de uma personagem que se encontra, por seu turno, num outro tempo que nunca é o tempo do aqui-agora, noutro tempo que não é este tempo que está acontecendo aqui e agora. E, assim, porta-se o ator que é fiel à personagem como o principal protagonista, é ele quem aparece a despeito da sua vontade de 'viver' a personagem e esquecer de si próprio. É um ator que imagina-se livre, capaz de tudo, e que, por depositar confiança no sentimento e não na razão, faz do edifício do invisível uma estrutura frágil e triste, sem possibilidade de ser habitada senão por ele mesmo. Por outro lado, o ator que tem consciência do artifício da máscara - e ainda que a máscara não exista como objeto de extensão ao corpo do ator -, é preenchido da certeza de que é ele um instrumento determinado a agir por condições que ao seu íntimo fogem à vontade. O ator da máscara é um ator do desejo, que é a sua potência de existir no tempo e no espaço. E o desejo não é carência ou vontade, é amálgama concreto que direciona o artista à ação. Ação esta que é assentada no aqui e agora, nem antes, nem depois. O ator da máscara, por não preocupar-se com a personagem, inventa personagens infinitos e que podem ser lidos e comungados pela audiência. O edifício do ator da máscara é generoso, nada ensimesmado, afeito à convivência do coletivo. 

Há um ator spinoziano em contraponto ao ator stanislavskiano. Um ator de posse de uma inteligência racional interna, e outro entregue aos sabores do abstrato íntimo. 


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