sábado, 14 de maio de 2016

Há teatro em tudo porque há artificialidades em tudo. Exceto nos extremos da vida - nos bebês e nos velhos senis, nos loucos - naqueles que estão à margem do sistema das coisas conscientes. Os bichos igualmente não são nada teatrais. Essa espontaneidade natural pode ser invejável, admirável até, mas ela não sobrevive por muito tempo. Não gostamos dela. Desejamos, ao contrário, o artificialismo das coisas, e construímo-nos artificiais, excluindo tudo o que foge desse teatro forjado. Somos seres solenes, inventamos solenidades, adoramos enferrujar o fluxo natural dos dias em eventos que mais parecem encenações patéticas ao olhar de algum ator distanciado de nossos hábitos culturais. Somos patéticos. Atores patéticos. Vestimos e desvestimos máscaras ainda que o uso dela, da máscara, seja atribuído à falta de caráter. Nosso caráter é não ter um caráter, mas milhares deles, feito um canastrão que se adapta à música conforme a vitrola toca. Se o mundo é um palco, como Shakespeare afirmou, ou uma ópera - segundo Machado de Assis - o palco, ele próprio, já é o mundo que basta. Não é preciso sair do teatro para entender o homem. O ator, por experimentar em seu ofício o que para os outros parece 'natural' - o fingimento -, destaca-se como o grande e talvez único verdadeiro conhecedor da essência humana. É ele, o ator, um eterno Hamlet, sabe que o mundo está fora dos eixos, e que a única alternativa para emendá-lo é não querer emendá-lo, senão continuar representando uma outra peça dentro dessa outra peça maior, que já é a vida ela mesma.


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