Tchekhov (1860 - 1904), com o perdão do termo, é um
fanfarrão desmesurado. Seus contos e peças teatrais são grandes comédias, e se
há nelas também uma enorme dose de melancolia, é justamente porque é da
natureza dos melancólicos rir da desgraça da vida, assumindo a humanidade como
um grande teatro de farsas irreversíveis. Nesse sentido, o contista e
dramaturgo russo é primo-irmão do nosso genial Bruxo do Cosme Velho, Machado de
Assis (1839 - 1908), cujas páginas são tingidas através da pena da galhofa,
sempre pronta a decifrar nas entrelinhas da moral um contingente de personagens
mascarados, fruto da trama forjada pela cena pública. O cenário da intimidade é
também assunto da peça ‘O Urso’, do mesmo autor dos clássicos ‘A Gaivota’ e
‘Tio Vânia’ , levada ao palco do Festivale pela Cia Divergente de Teatro. Nesse
texto ligeiro e divertido, pincelado com teores melodramáticos, Tchekhov trava
o encontro entre três personagens cujos universos sentimentais beiram a
excentricidade: uma viúva que vive para chorar o luto pelo marido, ainda que
seja o rolar de suas lágrimas aquilo que mais a comova, um criado fiel e
aparentemente desejoso pela recuperação da liberdade amorosa de sua ama – será
que ele próprio não reconhece a sua servidão?
-, e, finalmente, um credor, figura que entra para cobrar da senhora da
casa uma antiga dívida angariada pelo marido morto. Os três jovens atores
entendem perfeitamente a bizarrice da situação e o sem rumo intencional da
dramaturgia, aproveitando uma composição caricatural de gestos, figurinos e
maquiagens, para dar vida a esse trio que só existe para patinar num enredo de
diálogos repetitivos, ironizando com exagero a falta absoluta de conteúdo das
questões que formam o ser humano, ainda que da janela para fora o mundo esteja
naufragando em revoluções e violência. Ao dar valor ao minúsculo da vida,
Tchekhov faz do espectador testemunha
ocular, como se ele pudesse observar o que acontece através do buraco da
fechadura, reconhecendo o enferrujamento daqueles que, em teoria, poderiam
fazer uso de suas consciências desenvolvidas em prol de objetivos maiores. O
riso, portanto, é inevitável, ainda mais quando o desenlace da pendenga
tributária, depois de seguidas trocas de ofensas, vira um patético duelo de
sedução entre credor e devedor, brindado ao final com uma cena típica das
novelas mexicanas (e brasileiras!), ou seja, um beijo de amor reconciliador.
Por fim, e justamente em função da dificuldade de se dar conta de uma
dramaturgia onde os becos sem saída são armadilhas fundamentais, impedindo a
fluência de uma trama tradicional com começo meio e fim estruturados, talvez
fosse interessante ao elenco de jovens artistas investir na precisão das ações
e gestos, no intuíto de contornar ainda mais o aspecto farsesco e vazio das
almas dessas figuras e fazer do trabalho algo semelhante a uma partitura
sinfônica, onde o pensamento é fruto da regência milimétrica de ritmos e
bailados.
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