quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O Urso


Tchekhov (1860 - 1904), com o perdão do termo, é um fanfarrão desmesurado. Seus contos e peças teatrais são grandes comédias, e se há nelas também uma enorme dose de melancolia, é justamente porque é da natureza dos melancólicos rir da desgraça da vida, assumindo a humanidade como um grande teatro de farsas irreversíveis. Nesse sentido, o contista e dramaturgo russo é primo-irmão do nosso genial Bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis (1839 - 1908), cujas páginas são tingidas através da pena da galhofa, sempre pronta a decifrar nas entrelinhas da moral um contingente de personagens mascarados, fruto da trama forjada pela cena pública. O cenário da intimidade é também assunto da peça ‘O Urso’, do mesmo autor dos clássicos ‘A Gaivota’ e ‘Tio Vânia’ , levada ao palco do Festivale pela Cia Divergente de Teatro. Nesse texto ligeiro e divertido, pincelado com teores melodramáticos, Tchekhov trava o encontro entre três personagens cujos universos sentimentais beiram a excentricidade: uma viúva que vive para chorar o luto pelo marido, ainda que seja o rolar de suas lágrimas aquilo que mais a comova, um criado fiel e aparentemente desejoso pela recuperação da liberdade amorosa de sua ama – será que ele próprio não reconhece a sua servidão?  -, e, finalmente, um credor, figura que entra para cobrar da senhora da casa uma antiga dívida angariada pelo marido morto. Os três jovens atores entendem perfeitamente a bizarrice da situação e o sem rumo intencional da dramaturgia, aproveitando uma composição caricatural de gestos, figurinos e maquiagens, para dar vida a esse trio que só existe para patinar num enredo de diálogos repetitivos, ironizando com exagero a falta absoluta de conteúdo das questões que formam o ser humano, ainda que da janela para fora o mundo esteja naufragando em revoluções e violência. Ao dar valor ao minúsculo da vida, Tchekhov  faz do espectador testemunha ocular, como se ele pudesse observar o que acontece através do buraco da fechadura, reconhecendo o enferrujamento daqueles que, em teoria, poderiam fazer uso de suas consciências desenvolvidas em prol de objetivos maiores. O riso, portanto, é inevitável, ainda mais quando o desenlace da pendenga tributária, depois de seguidas trocas de ofensas, vira um patético duelo de sedução entre credor e devedor, brindado ao final com uma cena típica das novelas mexicanas (e brasileiras!), ou seja, um beijo de amor reconciliador. Por fim, e justamente em função da dificuldade de se dar conta de uma dramaturgia onde os becos sem saída são armadilhas fundamentais, impedindo a fluência de uma trama tradicional com começo meio e fim estruturados, talvez fosse interessante ao elenco de jovens artistas investir na precisão das ações e gestos, no intuíto de contornar ainda mais o aspecto farsesco e vazio das almas dessas figuras e fazer do trabalho algo semelhante a uma partitura sinfônica, onde o pensamento é fruto da regência milimétrica de ritmos e bailados.  



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