Alguém por favor me responda: como pode existir quem prefira
sentar-se logo na primeiríssima fileira do teatro, colar o nariz no procênio e
desprezar a visão completa da moldura da boca de cena? Essa proximidade do
palco, dizem os adeptos da miopia forçada, permite uma visão mais detalhada da
expressão dos atores, chance única de flagrar a emoção aflorando logo ali, a
alguns palmos de distância. Mas ainda assim não me convenço, ou melhor, quem
disse que há somente essa emoção, a da psicologia das entranhas, músculo
interno trabalhando a todo vapor até que as lágrimas desçam rolando aos
borbotões? Convoco o leitor a pensar que existe um outro tipo de emoção, uma
que não depende da individualidade ampliada em lentes de zoom, ao contrário,
uma outra emoção da distância, a do reconhecimento da estrutura arquitetônica
da caixa mágica do teatro.
‘O Teatro Lambe-Lambe, o Pequeno Grande Teatro’, trabalho
levado ao Festivale pela Cia Mala Caixeta, monta na praça pública uma estrutura
de três caixas independentes e apoiadas cada uma num tripé, que, em miniatura,
reproduzem réplicas de teatros antigos nos mesmos moldes dos teatros de ópera,
arquitetura semelhante também a dos teatros municipais de São Paulo e Rio de
Janeiro. Cada espectador em sua vez, então, é convocado a sentar-se diante de
uma das caixas-teatro e literalmente a enfiar o nariz e olhos numa abertura
frontal. Do outro lado há o operador da engenhoca, pronto a dar início a uma
animação que reproduz, outra vez figurativamente, o enredo de três diferentes
adaptações literárias: O Guarani, Vidas Secas e Os Lusíadas.
Mas o fato interessante não está tanto no desenvolvimento
das narrativas, às vezes, inclusive, beirando a redundância ao conferir às
animações mera função de figuração, ao
invés de serem elas próprias, ao contrário, não o recheio, mas o motor condutor
de uma trama figurativa. No entanto, por
outro lado, essa interessante e criativa
intervenção em praça pública permite ao espectador posicionar-se visualmente no
mesmo campo de alcance de quem está sentado num camarote de um desses teatros
clássicos, tendo a chance de observar frontalmente as belezas entalhadas na
moldura da caixa cênica. Isso não é pouco, aliás, já é bastante! Oferecer ao
público comum, muitas vezes composto por gente que nunca antes pisou num
teatro, a sensação de mistério que o ambiente de uma sala dessas promove em
quem nela adentra, já é cumprir com uma preciosa missão educativa. E volto a
dizer: o teatro é também um solo onde a magia estética está fortemente
vinculada ao mistério da poesia. Sentar-se numa plateia lotada, experimentar a
ansiedade pelo início do espetáculo ao escutar os três sinais sonoros, imaginar
o que há por trás das cortinas fechadas... Enfim, o espetáculo, nessas
ocasiões, começa antes do espetáculo, e faz do teatro enquanto edifício
arquitetônico uma parte importantíssima e agregadora da poesia dramática. Da
próxima vez que for assistir a uma peça teatral, caro leitor, experimente
sentar-se longe do palco, prestando atenção na beleza que é reconhecer tudo
como se fosse uma caixinha de música. A distância também comunica!
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