sábado, 13 de setembro de 2014

O Teatro Lambe-Lambe, o Pequeno Grande Teatro.


Alguém por favor me responda: como pode existir quem prefira sentar-se logo na primeiríssima fileira do teatro, colar o nariz no procênio e desprezar a visão completa da moldura da boca de cena? Essa proximidade do palco, dizem os adeptos da miopia forçada, permite uma visão mais detalhada da expressão dos atores, chance única de flagrar a emoção aflorando logo ali, a alguns palmos de distância. Mas ainda assim não me convenço, ou melhor, quem disse que há somente essa emoção, a da psicologia das entranhas, músculo interno trabalhando a todo vapor até que as lágrimas desçam rolando aos borbotões? Convoco o leitor a pensar que existe um outro tipo de emoção, uma que não depende da individualidade ampliada em lentes de zoom, ao contrário, uma outra emoção da distância, a do reconhecimento da estrutura arquitetônica da caixa mágica do teatro.

‘O Teatro Lambe-Lambe, o Pequeno Grande Teatro’, trabalho levado ao Festivale pela Cia Mala Caixeta, monta na praça pública uma estrutura de três caixas independentes e apoiadas cada uma num tripé, que, em miniatura, reproduzem réplicas de teatros antigos nos mesmos moldes dos teatros de ópera, arquitetura semelhante também a dos teatros municipais de São Paulo e Rio de Janeiro. Cada espectador em sua vez, então, é convocado a sentar-se diante de uma das caixas-teatro e literalmente a enfiar o nariz e olhos numa abertura frontal. Do outro lado há o operador da engenhoca, pronto a dar início a uma animação que reproduz, outra vez figurativamente, o enredo de três diferentes adaptações literárias: O Guarani, Vidas Secas e Os Lusíadas.

Mas o fato interessante não está tanto no desenvolvimento das narrativas, às vezes, inclusive, beirando a redundância ao conferir às animações mera  função de figuração, ao invés de serem elas próprias, ao contrário, não o recheio, mas o motor condutor de uma trama figurativa.  No entanto, por outro lado,  essa interessante e criativa intervenção em praça pública permite ao espectador posicionar-se visualmente no mesmo campo de alcance de quem está sentado num camarote de um desses teatros clássicos, tendo a chance de observar frontalmente as belezas entalhadas na moldura da caixa cênica. Isso não é pouco, aliás, já é bastante! Oferecer ao público comum, muitas vezes composto por gente que nunca antes pisou num teatro, a sensação de mistério que o ambiente de uma sala dessas promove em quem nela adentra, já é cumprir com uma preciosa missão educativa. E volto a dizer: o teatro é também um solo onde a magia estética está fortemente vinculada ao mistério da poesia. Sentar-se numa plateia lotada, experimentar a ansiedade pelo início do espetáculo ao escutar os três sinais sonoros, imaginar o que há por trás das cortinas fechadas... Enfim, o espetáculo, nessas ocasiões, começa antes do espetáculo, e faz do teatro enquanto edifício arquitetônico uma parte importantíssima e agregadora da poesia dramática. Da próxima vez que for assistir a uma peça teatral, caro leitor, experimente sentar-se longe do palco, prestando atenção na beleza que é reconhecer tudo como se fosse uma caixinha de música. A distância também comunica!


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