quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Lili – Uma História de Afeto e Amizade


Se a sombra fala, qual é a voz que a sombra tem? Uma boneca feita de pano ganha vida, pois que qualidade de vida é essa que fora do palco eja jamais poderia ter? O mesmo vale para os atores. Se o teatro é esse solo do impossível tornado possível, a mera transposição da vida para o palco não garante que haja interesse em testemunhar uma reprodução daquilo que se conhece como natural fora dele. O que quero dizer é que a brincadeira poética é necessariamente uma outra brincadeira, processada, ampliada, concentrada e tingida de cores exuberantes. O humano também é outro humano, em nada parecido com o tonos descontraído de quem acostuma-se a viver porque não há outra saída senão continuar vivendo. Muito pelo contrário! O teatro surge como uma potência desafiadora do ordinário, revolucionário em seus princípios festivos, e ainda assim capaz de mover plateias em sua pretensão de fundar universos paralelos.   O palco não admite a contingência do fluxo da vida, alocando em suas fronteira as figuras que na rua transparecem interesse. Tudo, absolutamente tudo que o palco revela, é fruto de um recorte essencial, forjado em formas artificiais, estudadas, articuladas e colocadas à prova.

Talvez essa seja a fragilidade do espetáculo ‘Lili – uma história de afeto e amizade’, levado ao teatro Dailor Varela pela Cia Cubo Cênico. A boneca que ganha independência reconta a fábula de Pinóquio, cumprindo uma trajetória de encontros com outros bonecos em igual condição, que a ensinará os valores caros à amizade, a aceitação das diferenças, enfim, ao verdadeiro sentido do amor. Independente da estrutura dramatúrgica, haveria que se ter um cuidado mais refinado com a forma de se contar a história, entendendo as particularidades de contracenar com sombras, bem como experimentar diferentes qualidades de presença corporal e vocal, tudo isso de modo a vazar para a plateia essa tal força poética que, parece, restringe-se ao perímetro demarcado pelo palco.

Às vezes é preciso prestar atenção também à plateia, ao registro de força que emana de um contingente de adolescentes sedentos por algo potente, desmesurado, fora das regras tão defendidas por um sistema de coerções que existe em cada esquina fora do teatro. Se o teatro surge da loucura, a loucura – ainda que remodelada ao abandonar o espaço rural das Dionisíadas para o urbano dos teatros gregos – continua lá, latente como elemento de contágio. É isso! Contágio! Como produzir doenças, infecções, contaminações capazes de atravessar o espectador, deixá-lo de cama, atônito? Talvez a cura, nesse contexto, seja coisa de menor importância. Que tal pensarmos que o teatro que fazemos hoje em dia é pouco disseminador de vírus? Ou, então, que a nossa saúde pouco ou quase nada imprime em matéria de inspiração para dar conta de fazer do palco algo digno de interesse?  




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