Pense numa igreja. No interior de uma igreja. Pertence a
esse espaço dedicado ao sagrado a arquitetura que evoca um silêncio
introspectivo. Cada uma de suas partes estruturais ‘falam’ ao público de modo a
convidá-lo a ampliar sua atenção para algo que será celebrado como rito. A
celebração, do seu início ao fim, é inteiramente ritualizada, frequentando
estágios iguais aos que compõem uma narrativa cênica. Perceba que a liturgia é
também uma estrutura periférica – assim como a arquitetura – de narrativa. A
fé, sentido último da religião, não é algo que se alcança espontaneamente,
evocando conteúdos bíblicos de forma aleatória e desorganizada. Não! Assim como
um corpo ergue-se porque é recheado por ossos que compõem o esqueleto, a fé não
permanece em pé sem que haja um princípio norteador, racional, de orientação
das suas instâncias introspectivas. Uma vez descartado esse aspecto fundamental
que não só envolve o espaço mas dá a ele sua legitimidade estrutural, os
assuntos perdem força, pouco significam. Não há mito sem rito!
O espetáculo ‘Corpos de Fogo, Peles de Anjo’, interpretado pela
Cia Teatral Atos & Cenas, reúne no palco um conjunto de textos que evocam a
condição da mulher no limite da loucura. A ideia é sem dúvida interessante, mas
como fazer dela algo maior do que um punhado de sensações que, juntas, possam
dar corpo a algo passível de leitura pelo espectador? A questão que se impõe é
nitidamente dramatúrgica, ou seja, a falta de um trilho onde o público tenha
condição de acompanhar o que é dito e visto, evitando um completo emaranhado de
sensações só experimentado por cada uma das três atrizes em cena.
Assim como ocorre com o exemplo da igreja, o teatro é também
um lugar de celebração que compreende uma arquitetura espacial denunciadora da
sua função e funcionamento. Vamos ao teatro para ver e ouvir um relato
recortado de uma determinada fatia da realidade, talvez exatamente como se
observássemos a vida através do buraco de uma fechadura. O que existe dentro
dessa moldura diminuta é a concentração de uma realidade, não a realidade
esparramada como é a que experimentamos no tempo corriqueiro da vida. Nesse
sentido, de pouco adianta fazer do palco um terreno de extravasamento de
sentimentos genuínos e caros aos artistas que nele pisam, antes sendo
fundamental a organização do discuros para que ele se adeque a artificialidade
da ocasião.
Para terminar, e voltando à igreja, valeria a pena a leitura
de um precioso documento do padre Antônio Vieira ( 1608 – 1697 ) intitulado
‘Sermão da Sexagésima’, onde ele apresenta o seguinte problema: ‘se a palavra
de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos tão pouco fruto da palavra de
Deus?’. Vieira irá dizer que é dever do pregador reunir certas ferramentas
fundamentais para se fazer entendido, e, assim, tocar o coração da audiência. O
conteúdo é condicionado pela forma, e não o inverso. Portanto, o problema não
está no ‘o quê’ dizer, mas sim, e
essencialmente, no como! Com arte procede o mesmo.
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