quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A Fabulosa Viagem de Duda E Lola em Busca da Irmã Perdida Ou... Cadê Kika



Em tempos de pirotecnia tecnológica e seduções multimidia, o que significa apostar na precariedade do jogo teatral, abandonando todo e qualquer suporte periférico em benefício único e exclusivo do jogo do ator? Tal qual o equilibrista que corajosamente se dispõe a atravessar o fio de aço sem redes de proteções embaixo, a dupla de atrizes do grupo Caixa de Histórias leva ao palco somente o necessário para contar a jornada de uma menina atrás de sua irmã perdida. O espetáculo ‘A Fabulosa Viagem de Duda E Lola em Busca da Irmã Perdida Ou... Cadê Kika?’ contou com uma casa lotada de crianças, todas elas fruto dos tempos ligeiros da internet e dos trecos digitais, beirando a uma empreitada quase desproposital, um convite ao devoramento e a queda iminente.

É fato que parece haver uma ansiedade latente na qualidade dessa nova presença que exige ser entretida cada vez mais e por novidades e ritmos frenéticos, o que pôde ser comprovado pelo nível de barulho e distração na sala, mas, por outro lado, as atrizes conseguem por um esforço digno de louvor levar adiante essa aposta na fragilidade de um tablado pobre de recursos, terreno onde a imaginação inventa ser tão ou mais potente que um show de luzes, trilhas musicais espetaculares ou cenários suntuosos.

A dramaturgia costurada pelo próprio grupo avança como uma aventura recheada de obstáculos, que uma vez cumpridos, terá como recompensa o encontro com a irmã perdida. Tal estrutura está intimamente ligada à trajetória do herói, estudo que Joseph Campbell (1904 – 1987) encampou como investigação ao universo de composição das narrativas clássicas. A libertação do homem mais rabugento do mundo, a interrupção da mania de fofoca pela boca de uma fofoqueira inveterada e, finalmente, o desafio de devolver o sorriso ao homem sem boca, compreendem os estágios aos quais devem passar a dupla de personagens para encontrar Kika.

Cumpre reforçar que o trabalho é uma investida de resistência, de apelo ao exercício da imaginação e à simplicidade das soluções. Não há música no espetáculo – elemento que bem poderia funcionar como isca à atenção das crianças -, mas, ao invés disso, ambas as atrizes trocam o efeito sonoro eletrônico por batucadas em objetos cênicos e marchas com os pés. Com relação ao cenário, os poucos elementos conspiram a favor de uma leitura imediata, como se a criança pudesse ela própria completar a sugestão do que é mostrado em seu silêncio introspectivo. Como adendo a isso, a dramaturgia também aposta em recortes narrativos, convocando as atrizes para um jogo criativo entre vestir a personagem e deixá-la de lado para poder avançar ou retroceder na trama da história, havendo, inclusive, trocas de personagens sob o olhar da plateia.

O filósofo Mark Rowlands (1962 -    ) em seu livro ‘O Filósofo e o Lobo’ afirma que os seres humanos são bastante íntimos dos animais, exceto por um único fator, o de que temos a curiosa necessidade de contar histórias, bem como a de acreditar nas próprias histórias que contamos. Para isso ser realizável não é preciso tanto, às vezes é até preferível que não haja nada, a não ser quem conte, e quem esteja disposto a ouvir. Será que (ainda) estamos?


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