domingo, 7 de fevereiro de 2016

No meio de seu Brás Cubas, Machado de Assis - que faz da voz do protagonista-narrador a sua própria voz - diz abertamente e sem floreios que começa ele a se arrepender do livro. Que é enfadonho escrever. E a culpa de se haver chegado a tal ponto de tédio declarado é menos do autor que escreve que do leitor que teima em continuar a folhear as páginas do livro. Não houvesse leitor e não haveria livro! Ou o livro continuaria ali, quietinho, sem ser importunado em sua altivez muda. Todo ator deveria ter a mesma sensação: que é coisa despropositada aparecer diante de uma gente estranha para portar-se de maneira nada natural e igualmente estranha, e assim levar adiante esse encontro misterioso que durará horas a fio até o cerrar das cortinas e o apagar dos refletores. E que é também menos culpa do ator e mais do espectador que se participe de tão esquisita cerimônia. O espectador ausente alforriaria o ator de sua labuta mentirosa. O que faz Machado de Assis um gênio é a consciência ácida, aliado a sua inata habilidade em manejar a pena da galhofa, em revelar o quanto o microcosmo de um ofício - o de escritor, no seu caso - é uma concentração resumida do absurdo da vida. Somos todos coagidos a agir em função da demanda do outro que ali está plantado diante de nós, esperando que ajamos. E agimos! Somos seres pateticamente manipulados pelo desejo de satisfazer o espetáculo que nos convidam a atuar. A melancolia de Machado é esse termômetro de inteligência traduzido em forma de humor sem filtros. O bom ator deveria proceder da mesmíssima maneira: deixar um olho vigilante em eterna atenção a perguntar o que raios faz aquele bando de malucos sair de suas casas para alvejar com sádico interesse aquele que foi pago para macaquear alguns poucos gestos ensaiados...



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