quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Não há nada de mais sintomático de uma perversão declarada do que um ator que se presta a aparecer na televisão para contar a sua história íntima... e chorar! E, ao fazer isso, sob o julgamento da plateia das antas, é considerado um artista legítimo! E dos mais sensíveis! Um ator que se permite a esse papelão de breguice incomensurável não é apenas um ícone sem fundo de vaidade melosa - isso todos o somos em algum nível -, é, principalmente (e essencialmente), corrupto. É remar contra a ética de um ofício que exige o sumiço, a sombra, o anonimato do silêncio, como matéria prima para se construir qualquer mínima fronteira poética digna de compartilhamento. É uma corrupção mais ou menos semelhante à daquele político que aparece enfiando dólares na cueca, com o atenuante de que o político que é pego assim é imediatamente taxado de picareta. Com o ator de nossa geração acontece o exato inverso disso: o crime é mérito. Quanto mais o ator é flagrado usufruindo da atenção pública ao seu próprio benefício, explicitando as suas próprias dores e emoções, quanto mais ele é canalha e corrupto, mais, e ainda mais, é celebrado como referência de talento e empatia.

E à decadência ética decorre uma decadência estética. Nossa incapacidade de contar uma boa história, de dar potência de existência à imaginação, é fruto direto de nossa incapacidade de sermos cidadãos coletivos, atentos ao nosso papel dentro de uma comunidade, que não deveria passar, evidentemente, pelo culto reverencial ao umbigo que nos pertence.


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