segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Felizes dos tempos em que as falas eram mudas, as expressões expressadas - e sem a ajuda do véu do invisível! Deliciosos os dias em que as sobrancelhas subiam e franziam: quando subiam era espanto, quando franziam era braveza. Felizes éramos todos nos dias em que o sentimento era mostrado e não sentido, ou sentido por quem havia por direito sentir, e mostrado por quem dava-se ao divertido exercício de querer mostrá-los. Festivos eram os dias das brincadeiras, das mascaradas, das pantomimas... Dias em que os atores não fingiam que não eram atores, e que, por isso mesmo, podiam fingir quem bem quisessem ser que ninguém haveria de os interpelar cobrando fidelidade com o real! Jubilosos os dias em que o próprio real era matéria do desconhecido e do misterioso, e sendo tudo passível de espanto, nós mesmos, rarefeitos a quem éramos, podíamos farsear todo um mundo que não cabia dentro de nós! Felizes os dias em que tudo era teatro e a verdade não era pauta para nada. Como contentes éramos quando vestíamos figurinos ao invés de roupas básicas, fazíamos reverências, saudações e cumprimentos de uma formalidade quase circense! Andávamos nós na rua como personagens andariam iluminados por uma ribalta, falávamos como se bonecos artificiais fôssemos! Tudo em nós era engessado pela poesia do artificial. E nessa constante cerimônia em que escondíamos a nós mesmos por trás de tantos disfarces, abríamos um espaço enorme de convivência saudável. Felizes dos dias em que a intimidade era guardada com lacres de ouro, e não precisando afirmar nada daquilo que dentro de nós era matéria de dúvida, existíamos para o espaço, para o além do umbigo, para a alegria do espetáculo dos papéis sociais. Um dia o mundo foi um teatro, ou o teatro um mundo. Hoje somos todos um triste elenco de apoio da imagem que nos atravessa, que nos impele a tagarelar o tempo inteiro, que quer saber de nós quem somos, o porquê de sermos quem somos, e aquilo que pensamos sobre quem somos. Perdemos a ribalta e as maquiagens de clown. Resta-nos a cara lavada e um copo com suquinho de maracujá pra acalmar os nervos.


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