sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016


Cansado à exaustão, depois de mais uma sessão de Volpone no teatro, e penso cá comigo naquilo que não raro me perguntam sobre o ofício do ator: não será insuportavelmente tedioso ter de repetir e repetir semanalmente o mesmo espetáculo, seguindo as mesmas falas, cumprindo as mesmas deixas, e tudo para contar a mesma história que há tanto já foi contada e ainda será mais uma vez contada até que se dê por encerrada a temporada? Para além daquilo que se poderia responder ao argumentar que uma sessão nunca é igual à outra porque há sempre que considerar os imprevistos e qualidades diferentes de presença e atenção por parte dos atores e plateia, respondo eu que o fato de o teatro ser espetacularmente poderoso está justamente na razão de sua repetição, um moto contínuo reiterado feito ladainha como numa reza balbuciada. É esse sistema de engrenagens que se põe a funcionar para que funcione naquilo que se espera que funcione que preenche de sentido o ato de aparecer diante de um público. É quase como uma benção reconhecer o sistema, fazê-lo funcionar, ser parte ativa de uma engrenagem que por ser engrenagem é ela própria muito maior do que você que a põe para funcionar. O teatro é maravilhoso porque é repetitivo, sistemático, infinitamente tedioso, portador de um tempo propositalmente coagulado e de contemplação teimosa e refinada. Há aqui uma filosofia e uma ética exemplares: o teatro, como na vida, rebaixa a nossa natural vaidade de imaginarmo-nos portadores de um tamanho que não temos e nunca pudemos ter. Somos a rigor, no teatro e fora dele, peças pequenas, pouco ou quase nada afeitas a livres escolhas, reféns de engrenagens que o nosso desejo de sermos poderosos fazem nublar a nossa afetada visão. O teatro é um constante exercício de humildade. E uma lição de humildade que é experimentada na marra, que fere a pele, maltrata o corpo ao mesmo tempo em que alerta a consciência. Pensando ainda cá comigo, ainda insone nessa avançada madrugada, quão lindo seria se pudéssemos nós, atores, sermos parte do elenco de uma única e mesma peça até o fim de nossos dias, até que a última cortina cerrasse para nunca mais abrir. A isso cumpre, é verdade, o enredo da vida. Que também é, convenhamos, um grande palco.

Amanhã tem mais Volpone. E domingo terá mais Volpone. Semana seguinte haverá mais Volpones...

Viva o teatro!
 
 
 
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