terça-feira, 5 de julho de 2016

Saiu no jornal:

Anthony Hopkins gravou um telefilme para a BBC numa transcrição da peça teatral 'O Camareiro' em que interpreta um velho ator que pisa ao palco para fazer Rei Lear, e que chega à conclusão de que desperdiçou a sua vida toda ao escolher dedicá-la às ribaltas. Interpelado pelo jornalista, Hopkins - que afastou-se dos palcos londrinos há mais de 30 anos para investir no cinema -, afirma que sua distância do teatro deveu-se justamente ao diagnóstico que o referido personagem anuncia: para evitar desperdícios. Pois que seja! Vejam se esse não é o primeiríssimo e mais importante atributo de que se vale aqueles que escolhem ter o teatro como ofício: o de optar por desperdiçar-se pela vida, esgotar-se, aniquilar-se a cada noite. Sem demagogia ou poesias forçadas, não seria melhor ir gastando-se pelos dias ao invés de somá-los? Gorduras, dinheiro, fama, um eterno engolir, rechear-se em acumulamentos infinitos... Não será, pois, essa a mais valiosa qualidade do teatro, a de tratar a vida na sua dimensão mais concreta e sem os recheios das fabulações mentirosas pelas quais nos deixamos seduzir, e que, mais cedo ou mais tarde, terminam todas para logo em seguida terminarem com a gente? Se a constante dessa aventura toda é perder sempre, por que evitar um ofício que nos oferece a consciência de que perdemos a cada instante, e sucessivamente, e ao infinito, e até não sobrar o que mais perder? Que maravilha seria a minha vida se ao cabo de uma carreira longa e penosa no teatro eu chegasse a simples conclusão de que eu desperdicei todo meu tempo, de que ostento pouco ou quase nada do que conquistei, que não carrego honrarias, posses ou perfumes caros dados de presente por quem sempre quis ver-me cheiroso. Muito melhor, imagino eu, do que alcançar o ocaso da existência rodeado de paparicos, de papagaios de ocasião, de serviçais e nababos a adularem-me a paciência...
Viva o teatro!
Viva o desperdício!



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