sexta-feira, 1 de abril de 2016

É preciso ser completamente amoral. Para existir e ter de lidar com o outro é preciso despir-se de religião, crenças, posições político-partidárias, alianças de qual natureza for. É preciso ser um apátrida, um exilado, órfão completo. Se a tarefa é difícil - talvez um exercício para a vida inteira e sem quaisquer garantias de sucesso permanente! -, para o ator, em seu ofício de ator, a questão estabelece-se de imediato como princípio fundamental. O ator só é ator porque é ele completamente amoral. Representa Mephistópheles e Jesus Cristo com o mesmo vigor e energia, não separa o que é bom do que é mau, não qualifica qual personagem merece redenção e qual o castigo. Não há justiça ética no teatro. Há embates éticos. E não para distribuir sentenças, mas para celebrar as contradições, que são a base daquilo que somos quer queiramos ou não. É impensável imaginar um ator fazer um plano de carreira listando as personagens 'adequadas' as quais gostaria de representar. É absurdo imaginar um juízo moral que segrega certo e errado no terreno da poesia. É por essa razão que o ator tem a sorte de habitar um terreno seguro no qual pode ampliar a sua visão para além daquilo que, como pessoa civil, teria mais dificuldades em adquirir. O ceticismo moral necessário para que o ator seja ator garante a ele uma preciosa calma para ter de lidar com as convenções forjadas fora do palco, todas elas convidativas a segmentar a vida, as pessoas e os grupos uns dos outros.

Em momentos de crise de valor, o ator é um ser sortudo. Seu ofício lhe garante uma sabedoria pouco entendida quando a regra é eleger santos e vilões.



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