sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Não acho que ser artista tenha a ver com habitar uma sensibilidade aflorada. Ao menos essa sensibilidade de que tanto advogamos como sinônimo de aptidão para sentir e, desse modo, transmitir a humanidade que há no sentimento. Se os outros sentem é porque é natural da vida sentir. Mas tenho convicção de que o artista, não sendo como os outros demais, tem o dever de não sentir nada. Ou, então, sentir que nada sente. E pensar. Pensar sim, evidentemente, deve ser primordial ao artista. A qualquer artista. O pesar e o amor do artista devem ser fruto do ato de pensar, nunca do de sentir. Porque é o pensamento que comunica. E é função do artista comunicar. O sofrimento, o sentimento, é coisa individual, afeita ao claustro, nada adequada ao estar diante de outros para lhes dizer algo. E o artista é sempre esse: o que está diante de alguém pronto para dizer algo. O não poder sentir, e o habitar a capacidade - ou a infelicidade - de nada sentir, aí está a habilidade - e o fardo - do verdadeiro artista. O resto, parece-me, é exercício gratuito de vaidade, de quem sente só para dizer a si próprio que está sentindo.

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'(...) Eu não sei se o mundo é triste ou mau nem isso me importa, porque o que os outros sofrem me é aborrecido e indiferente. Logo que não chorem ou gemam, o que me irrita e incomoda, nem um encolher de ombros tenho - tão fundo me pesa o meu desdém por eles - para o seu sofrimento. Mas eu quero crer que a vida seja meio luz meio sombras. Eu não sou pessimista. Não me queixo do horror da vida. Queixo-me do horror da minha. O único fato importante para mim é o fato de eu existir e de eu sofrer e de não poder sequer sonhar-me de todo para fora de me sentir sofrendo. Sonhadores felizes são os pessimistas. Formam o mundo à sua imagem e assim sempre conseguem estar em casa. A mim o que me dói mais é a diferença entre o ruído e a alegria do mundo e a minha tristeza e o meu silêncio aborrecido (...) Nem mesmo posso sentir o meu sofrimento como sinal de grandeza . Não sei se o é. Mas eu sofro em coisas tão reles, ferem-me coisas tão banais que não ouso insultar com essa hipótese a hipótese de que eu possa ter gênio. (...)'

F. Pessoa



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