segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Deveriam dar importância às personagens, não aos atores. Mas o grande acontecimento do século é o reinado dos atores sobre as personagens. O hall do teatro é mais importante do que o palco. Quando as luzes se apagam é que elas se acendem de fato! Um depoimento de um ator é disputado a tapa, ainda que não haja nada o que dizer, ainda que o ator seja o exemplar do que há de mais sentimentaloide e tapado nesse mundo de lágrimas e verbos vazios. Ainda que o ator advogue o contrário - há sempre um discurso emocionado de entrega à personagem - as personagens são, de fato, acessórios, quando muito um atributo de exponenciação do charme do ator. A boa personagem, nesses dias, é aquela que não recusa o que o ator já tem, que não o contraria em seu jeito bastante pessoal de ser ator. Ela, a personagem, é que é moldada ao ator, e não o inverso. É quase uma etiqueta de grife, um terninho chique cortado e costurado na medida do modelo. Esse discurso tão em voga de 'entrega à personagem' é a mais pura balela sentimental para justificar o protagonismo do ator. Estratégia para jogar atenção nessa grande alma que se propôs a 'mergulhar no abismo da poesia'. Quase um exercício de auto-emulação para que a plateia renda-se em admiração a quem se permitiu sofrer por coisa alguma. As palmas são para o ator, nunca para o seu ofício, quase sempre ele capenga de força poética. O ator deveria ser essa entidade flutuante de identidade misteriosa, invisível. Deveria evaporar da atenção alheia e concentrar em aparições programadas. Mas aí já seria demais. Seria pedir que todo um império do ego e da vaidade desmoronasse feito castelo de cartas ao vento.


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