Arte deveria ser um negócio inalcançável, preservado no cume rarefeito
do monte Everest. E a experiência estética deveria assemelhar-se a esse
aventureiro que não sabe se voltará vivo depois de chegar ao cume
rarefeito do Everest. Deveria faltar oxigênio para quem quisesse
adentrar nesse terreno movediço e perigoso da arte. Os atores deveriam
sentir o perigo de estarem expostos aos olhos de uma plateia composta
por olhos inclementes. Mas faltam-nos olhos inclementes. O próprio
ato de sentar-se numa plateia deveria ser calculado, nada aleatório. O
que deveria ser privilegiado no campo da arte é a própria arte e não os
seus arredores. Porque o sentido hoje de se fazer e contemplar arte
resume-se ao ato de consumir arte na ante-sala da arte, como se a arte
fosse um quartinho iluminado pelos sorrisos coletivos onde pode-se
tranquilamente mastigar pacotinhos infinitos de salgadinho Doritos. E
sorrir. Mastiga-se muito, lambuza-se muito com tanto sal e conservantes
vários. E continua-se sorrindo, congelando essa máscara feliz nos rostos
de todos os que comungam do mesmo piquenique. Todos viramos adeptos do
piquenique. Enquanto o que deveríamos pleitear é a presença em jantares
de gala, todos trajados à rigor, atentos ao ritual da comilança. O ator
deveria ir ao teatro como um condenado que vai arrastado à forca, e não
como quem decide dar uma flanada bucólica no parque florido. O público
deveria rumar aos seus assentos tal qual uma horda de desesperados,
sedentos pelo instante em que o patíbulo será aberto.
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