sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Uma personagem é sempre uma parte, uma fração. A personagem não é humana, não reúne os destemperos das contradições humanas. Ela pode parecer humana aos olhos da plateia. Aliás, a personagem só é verdadeiramente humana para a plateia, e só para ela. Para o ator ela é uma parte, uma metade de alguma coisa impossível de se completar. E isso sem filosofia nenhuma. A personagem não é humana para o ator porque o que ele tem a fazer dela é arriscar movimentar alguma coisa que já existe pelo esforço do autor que a criou no papel. Portanto, a personagem é uma coisa, um treco de existência concreta pelo intermédio da palavra. E como toda palavra, a personagem é encerrada em frases. Não caminha adiante com o ator depois que o ator sai de cena. Por isso que a personagem é uma parte, algo de inacabado, porque a sua existência é propositalmente e necessariamente inacabada. E ao ator cabe decidir onde segurá-la, quais solavancos imprimir nesse pedaço incompleto de coisa durante determinada fatia de tempo. Mas aí que está a beleza de tudo. Porque o ator também carrega essa qualidade de incompletude, ele também não esgota o sentido que há na personagem porque a sua condição própria é também a de ser alguma coisa não preenchida totalmente. Quando um ator representa uma personagem o que vemos é um exercício infinito de duas potencialidades incapazes de chegar a alguma totalidade, são sempre tentativas fracassadas de se chegar a algum lugar, tropeços sucessivos que resumem esse esforço de dar algum contorno possível ao impossível. Quando testemunhamos uma grande representação estamos sempre diante de um grande tombo. Por essas e outras que, acho eu, ator nenhum dedica-se a compreender a alma humana para imprimir humanidades em suas personagens. Isso é tarefa da antropologia, psicologia, sei lá..., não teatro. Teatro tem mais a ver com uma oficina de montagem, de manipulação de trecos inanimados do que com o mergulho infinito no abstrato das complexidades do homem.

Ufa... Cumprimos com a primeira semana do nosso Estado de Sítio. Voltamos na quinta feira.



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