sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Há um personagem de Tchékhov, talvez o médico Astrov do Tio Vânia, mas posso estar equivocado, que diz em certo momento da peça que daqui a 100 anos seremos todos esquecidos.... Não é uma maravilha poder reunir essa inteligência rasteira - e por isso mesmo dotada de uma filosofia ímpar - que reconhece o minúsculo e o ridículo de nossas vidas banais? Todos: o papa Chico, o pedreiro José, o Trump, a Jana Paschoal, eu, você, todos nós seremos varridos do mapa pela deslumbrante narrativa implacável do tempo. Agora, imagine que delícia se essa mula-acéfala da Damares, a fulana que viu o Filho-do-Pai no pé de goiaba, entendesse, por um segundo que seja, o seu espetacular lugar no fluxo da história toda? Imagine se por um segundo, um segundo que seja, esses tapados reformadores da moral e dos costumes se enxergassem no espelho da novela toda e entendessem que houve um antes e haverá um depois, e que milhares, milhares de estúpidos semelhantes tentaram o mesmo: consertar o que o outro deve ser na vida para se enquadrar nos preceitos do que quer que seja, e que falharam, falharam retumbantemente porque, afinal de contas, tudo é engolido pelo esquecimento?

Imagina que legal se todos soubessem da sua desimportância para o universo?

Sabe por que é legal fazer teatro? Não é tanto pela exposição em cima do palco, não. Para dar conta dessa vaidade da purpurina o Facebook e as selfies já estão aí para nos ajudar. É porque o mais legal é o antes de entrar em cena, os instantes que precedem o subir da cortina em que você tem a dimensão exata de que deverá repetir tudo o que foi combinado ontem. E que isso é um pavor e uma maravilha ao mesmo tempo. Porque é fácil entender que a sua interferência no processo todo é igualmente essencial mas também minúscula. E o que sobra depois dos refletores apagados? A angústia de ter que recolher os pedaços que sobraram para amanhã, mais uma vez e de novo, provar que a sua existência é uma mistura de tropeços, fracassos, sorrisos e conquistas. E que daqui a um punhado de meses tudo ficará para trás, uma nova cortina se erguerá para outro espetáculo que apagará o anterior.

Anotem aí: Cuidado com os atores! (Regina Duarte não conta por uma questão evidente de déficit de QI) Eles são infinitamente mais céticos - e por isso mesmo perigosíssimos! - que a soma de todos esses estúpidos da metafísica do além.

Viva o teatro!



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