sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Como ando deveras vaidoso e excepcionalmente bajulador da minha inteligência - haja vista que 60 milhões de mulas conterrâneas elegeram um capitão de QI igualável ao de um punhado de alfafa-seca para o cargo máximo do país -, aqui vão os parágrafos iniciais da minha tese de doutorado. E minha reverência eterna aos três pilares que constituem o templo máximo das minhas inspirações: Machado de Assis, Shakespeare e Fernando Pessoa.

1.2 ADVERTÊNCIA!

O presente texto é fruto de uma reflexão bastante particularizada sobre um tipo de teatro, aquele teatro que se mostra através da arquitetura clássica da divisão entre palco e plateia, do edifício teatral que se propõe a separar aquilo que é do universo da cena daquela outra realidade que é a realidade comum aos que ocupam as cadeiras voltadas ao palco. De imediato, proponho a premissa de que o que ocorre no palco é necessariamente uma outra realidade, transformada, modificada, redimensionada da escala ordinária da vida. Ainda que tal proposta implique a consideração de um tipo específico de linguagem poética – um antirrealismo assumido, portanto -, insisto na ideia de que essa hierarquia da arquitetura, em alguma medida, compreende o sentido primeiro do que significa o fazer teatral, que é justamente o de produzir farsa, artificializar o mundo, erigir diferentes fronteiras da imaginação que serviriam como embate aos conhecidos continentes disso que chamamos de real, de verdadeiro. Se a arguição entre o que é verdade e o que é mentira parece, num primeiro momento, um beco sem saída, afinal, quem poderia decretar a pureza de uma correspondência absoluta com a vida, ou, então, a defesa do perfeito faz-de-conta que não se utilizaria de nenhum dos ingredientes do mundo concreto para fazer escoar as suas narrativas (a realidade já é produto de diversas construções que nos permitem ler o real como real, bem como a fantasia carrega em si a sua realidade) por outro lado, elenco a hipótese de que há determinados poetas e autores que sedimentam molduras bastante palpáveis para que as personagens nelas inscritas sejam consequência desse outro território inventado, e não os proponentes de uma dada condição já amalgamada pela humanidade latente em cada uma delas. Em outras palavras, penso que há uma atitude de produzir farsa em quem constrói primeiro os arredores, o cenário da ação, e faz das personagens que habitam esse espaço reféns de coordenadas só possíveis de serem respeitadas mediante às regras espaço-temporais ditadas pela narrativa. Esses poetas, a meu ver, são poetas da hierarquia, da separação entre palco e plateia, da consciência de que há um lá e um cá, e entendem isso que advogo ser a célula mater do fazer teatral: a mentira farseada, a artificialidade como propulsora das personagens e de todo o repertório humano que existe na composição da cena. São poetas teatrais porque são poetas mascarados, que mascaram suas figuras inventadas com demasiado exagero de tintas e cores para poder dotá-las de humanidade. Chegam ao real pela mentira, enfim.

Em paralelo, o texto a seguir é um manifesto contrário à intimidade do ator no exercício de seu ofício de intérprete da cena. O paradoxo é proposital e repete a fórmula acima: como existir diante de uma plateia sem os recursos da intimidade como ferramenta de expressão se o ator já é em si uma individualidade concentrada de experiências particularizadas e pessoais? Complico ainda mais a questão produzindo eu mesmo um relato íntimo de minhas experiências como artista, sempre em primeira pessoa do singular e assinando cada página com a grafia de quem marca uma posição pessoal diante do tema pesquisado. Porém, o que chamo de intimidade é a condição de acúmulo de experiências que não pertencem ao território do partilhável, uma vez que o contato pessoal com qualquer coisa deveria garantir um devido espaço de distanciamento crítico capaz de relativizar o sujeito-atuante do mundo ao seu redor. O íntimo que condeno é aquele que é só meu, inquestionável porque é verdadeiro para mim e reproduz o que sou pela certeza de uma identidade inviolável. Portanto, o texto que segue é repleto de interioridades, uma mistura do que é íntimo com a escuta de uma voz pública que deve funcionar como medida relativizadora entre o que eu sinto e o que penso com aquilo que é comum aos espaços e molduras que necessariamente frequento.



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