sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Penso na tristeza que deve ser construir monumentos, desses trecos que uma vez erguidos no espaço, o tempo haverá de preservá-los para além do seu criador. É comum passar desapercebido por essa monstruosa constatação? De que o prédio em que moramos há de permanecer, senão exatamente igual, ao menos fiel ao que sempre foi desde o seu início, com seus tijolos concordando com o concreto armado, seu perímetro em acordo com sua altura, mudando poucas coisas em seu caráter de coisa feita para durar, e durar para depois daquele que o criou, condenado a ficar pelo caminho? Dormirei hoje com essa melancolia aliada à alegria de existir para não durar, oferecer monumentos que explicitamente desmoronam diante de quem resolve habitá-los. É uma sorte contaminada por uma vaidade maravilhosa, eu diria. Porque assumir essa perenidade é sublinhar a importância que temos, uma vez que a distração do olhar pode fazer escorrer para sempre o brilho da nossa presença. Anunciamos a nossa morte somente para que os outros não desperdicem os intervalos que nos fazem vivos. Dizemos: aproveitem, somos deveras maravilhosos para permanecer ad-infinitum feito estátuas fincadas no chão. Somos arquitetos às avessas, trabalhamos para o desmonte, ou desmontamos antes mesmo de firmar trato com a ambiciosa eternidade das coisas concretas. E, talvez por isso mesmo, somos magnificamente concretos, inteiros numa medida mais digna que o maior dos espigões de aço e cimento dessa cidade lotada de monstrengos semelhantes, quase siameses.

Vou dormir com a certeza da beleza de minha profissão de ator de teatro, que não me poupa uma única gota de suor, um único músculo preguiçoso, tudo em direção ao mais completo esquecimento, ao instante que não assina contratos, não promete visitas futuras, não deixa heranças... Saldo de uma sensação de liberdade absoluta daqueles que, como eu, tem a benção de experimentar e viver a própria ruína.

Viva!



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