quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Antes, ia-se do teatro para a televisão, porque o ator era ator no teatro, para depois ser ator na televisão. A televisão era um destino do ator, não sua origem. Parecia impensável imaginar que um ator poderia formar-se longe do teatro, que sempre foi onde os atores formavam-se atores. E o público sabia disso. E o público ia ao teatro não para ver o ator de teatro, mas para ver o trabalho do ator de teatro no teatro. Hoje, parte-se do princípio oposto. O ator forma-se ou quer formar-se na televisão, ou na imagem, e faz do teatro um destino possível e nada obrigatório. É verdade que esse novo ator formado na imagem vez ou outra aporta no teatro dizendo que é no teatro onde realmente o ator pode testar-se e crescer, ou que o teatro tem uma função social nobilíssima a ser mantida e sempre colocada em funcionamento. Mas esse mesmo ator só é ator no teatro em raríssimas exceções, dedicando a maior parte de seu tempo em sustentar a imagem daquilo que construiu sendo um ator de imagem prioritariamente. Não se pode reverenciar o teatro, parece-me, com uma ideia do que seja o valor do teatro. É preciso tratar o teatro como um ofício, e menos como um retiro espiritual de engrandecimento da alma. Hoje, soa inimaginável encontrar um ator ou um aspirante a ator que não tenha como perspectiva a divulgação de sua imagem por qualquer dispositivo eletrônico que seja. O ator desses tempos contemporâneos quer ver a sua imagem e quer que a sua imagem seja vista. A atividade de ser ator que nasceu na artesania do teatro agora é quase uma abstração. É mesmo uma abstração. Porque pouco se trabalha. E muito se especula. O trabalho com a imagem é essencialmente um trabalho especulativo e pouquíssimo devotado ao suor do corpo. E o trabalho do ator, desde sempre, bastante se assemelhou ao trabalho de quem põe efetivamente o corpo para funcionar. E mesmo os atores de teatro pouco afeitos à indústria dos atores de imagem quase nada trabalham com teatro. Porque o teatro só é interessante - ao menos para o grande público e para os grandes patrocinadores - quando um ator de imagem, que raramente tem tempo para o teatro, resolve querer fazer teatro. E o público sabe disso. E o público acostumou-se a esperar para ir ao teatro quando o ator de imagem resolve chamá-lo para ir ao teatro vê-lo fazendo teatro.

Assim caminha o nosso tempo.



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