sábado, 12 de julho de 2014

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O rompimento da estrutura denuncia o sujeito naquilo que há de íntimo e pouco efetivo para se lidar com o que existe ao redor. A perda do esquema tático faz surgir o jogador emotivo e vaidoso, agora individualizado, portador de nome próprio e repertório de produtos que vendem a sua figura. Antes havia o craque, o ponta de lança, o meio de campo, hoje há o Fulaninho de Tal que usa o creme X, astro da propaganda em que aparece penteando o cabelo e contando as dificuldades que teve de passar até chegar ao status atual de celebridade, forjando assim uma marca registrada daquilo que aparenta ser. Não há mais funções, há identidades, todas elas protagonistas de um jogo cujo propósito se mantém inalterável - o jogo ainda está lá para ser jogado -, ultrapassando em sua essência às pretensões do ego. Mas decorre daí, dessa incongruência de fatores, um naufrágio que revela basicamente o quão frágil é essa individualidade toda embasada numa aparência sedutora, mas de substância vazia, pouco versada ao trabalho prático e bastante volátil quando é preciso ter os nervos em ordem. Embora qualquer estrutura maior esteja rompida, o indivíduo em sua luta por se manter em evidência ainda deve contas a prestar. É aí que eclode a crise, quando até mesmo a empatia mais bem talhada no charme não mais dá conta de protagonizar os interesses alheios, transparecendo a ausência completa de capacidade para se levar adiante o jogo já iniciado. Nas artes ocorre o mesmo. O gradual desinteresse pela máscara, pelas fronteiras concretas da personagem fictícia em favor do temperamento do ator, coloca à prova um artista cada vez mais instável e sensível, virando ele próprio o assunto, alguém que resume naquilo que sente em seu íntimo o trabalho que deveria fazer dele um operário de algo maior que seu umbigo. E há aqui também uma consequência política, afinal, quando os exemplos de expressão passam a ser comandados pelas sensações internas de individualidades cada vez mais ansiosas em satisfazer a sua carência afetiva, a praça pública vira uma enorme creche, com bandos de manifestantes portando-se como perfeitas crianças mimadas que tiveram suas chupetas arrancadas à força sabe-se lá por qual razão. O paradoxo é bastante claro: para que haja um comprometimento com os outros e consigo próprio é necessário exercitar o sumiço; o bom ator aparece justamente porque abre espaço para um corpo e uma voz que não são suas, o craque só é craque porque treina para inventar molejos e artimanhas no campo que fogem àquilo que ele é na rua. E o mesmo para as demais reivindicações: silenciar o íntimo é saber estar atento e respeitoso aos fatos que necessariamente pertencem ao espaço do coletivo e merecem ser discutidos.

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