quinta-feira, 3 de março de 2016

Uma coisa existe porque eu que a vejo posso vê-la e dizer: veja, tal coisa existe; ou, então, algo existe independente do meu olhar? Não havendo eu, a coisa ainda é uma coisa? Em outros termos, uma árvore só é bela porque eu posso adjetivá-la assim, e, aí, será uma árvore única, só sendo árvore bela porque eu a criei dessa forma. No entanto, a mesma árvore, bela ou não bela, continuará sendo árvore independente de mim. Se eu deixo de existir, a minha árvore bela também deixa de existir, mas a árvore que me inspirou a usar o adjetivo belo, em seu ser-de-árvore, continua sem mim. A essência da árvore - sua verdade - ultrapassa o meu olhar sobre ela e existe para outras pessoas que não eu. Existe para o mundo. Agora, se eu quiser contar para alguém o que é uma árvore, é preferível que eu não use adjetivo algum, uma vez que a minha árvore não pode ser a árvore propriamente dita, tampouco a árvore que o meu interlocutor irá formar em sua mente. É antes imperioso esforçar-me por dar corpo à ideia da árvore sem qualquer tentativa de interpretá-la. E, se esse exercício é impossível - haverá uma descrição pura da árvore a fim de transmitir a sua essência sem filtros pessoais meus? -, é justamente pelo terreno da impossibilidade que devemos dedicar nossa jornada. Porque agindo assim, ao menos, abre-se um espaço maior para que o meu interlocutor forme a sua ideia particular da árvore, e sem que eu tente convencê-lo de que a minha árvore é a árvore verdadeira. O mesmo acontece com o ator. Contar quem é Hamlet não é Interpretar quem é Hamlet, ou, então, seria tentar fazer com que o público convença-se de que o meu Hamlet existe, o que por si só já é mais do que absurdo. Hamlet, para que ele exista como comunicação ao interlocutor, não deve ser interpretado por ator nenhum, mas alcançando em alguma corporeidade concreta, física, que apareça como tentativa de isenção à tendência do ator a decifrar o Hamlet que diz respeito a ele, e, assim, já não não mais podendo ser o Hamlet verdadeiro. O ator deve buscar o ser da coisa, a sua existência material, e não o preenchimento emotivo-sentimental dela. Hamlet existe para além do ator porque ele é matéria forjada pelo teatro que o concebeu. Sendo máscara - que é objeto - Hamlet pode ser comunicado. De outra maneira, quem estará em evidência será sempre o ator, que embora creia estar vivendo Hamlet, só o estará vivendo de si para si, excluído o outro, e excluindo também qualquer chance de comunicação. O ator, então, deve participar de uma morte simbólica e deixar de ser ator para que a sabedoria de seu corpo dedique-se a contar da maneira mais objetiva e racional quem é Hamlet. O bom ator é um suicida, aquele que propositalmente não insere nada de seu íntimo e pessoal em nada. O bom ator mata o seu eu-ator para que a personagem, enquanto essência, possa ter chance de se configurar, e existir para uma futura composição por parte do espectador...



....




......

Nenhum comentário:

Postar um comentário